Desde algum tempo, recorrem à minha memória passagens infanto-juvenis, fazendo aflorar e reencontrar os meus Mestres e Mestras, os quais, por suas mãos, me conduziram aos umbrais do conhecimento. Foram fundamentais a convivência e o aprendizado nos bancos escolares, quase sempre sisudos e vetustos. Lembro-me, com precisão, de Irmã Cristina do Colégio das Lourdinas, que me acolheu, aos cinco anos. Ela, admirável e impenetrável sob o seu puro e alvo manto, era dona de beleza cúmplice, dotada de uma delicadeza que me seduziu.
Frequentei, muito criança, o Externato S. José, da Cúria, na Praça do Bispo, onde fui agraciado com a atenção da Profª. D. Alaíde nos meus primeiros e céleres passos no inicio do Primário. Dadas às limitações de turmas, acabei migrando, pulando de série escolar, indo para a tradicional e sisuda Escola de D. Tércia Bonavides, e tive a D. Da Luz, sua irmã, como minha mestra de classe. Ambas, as irmãs impunham um regime marcial regido por uma longa régua disciplinar. Método e disciplina aos discípulos, me gerando medo fui empurrando a ter um excelente desempenho até o 4º ano primário. Eram mestras empedernidas e eficientes. Lembro-me perfeitamente bem dos alaridos infantis nas escolas de D. Toinha e D. Eugênia.
Na sequência, fui transferido para o Pio X, “Atalaia Marista, Templo de Paz e Luz”. Ingressei aos 10 anos no 5º ano, sob a regência de Irmão Daniel, que nos tutelou a ultrapassar fronteira do Exame de Admissão, obtendo boas notas.
No Colégio Marista, da primeira serie ginasial percorri um trajeto escolar que me levou até o 1º Científico, submetendo-me sucessivamente aos ensinamentos dos Irmãos Ignácio, Atilio Brunetto, Leão Panet, Hermann, Ricardo Cortês, Aniceto, João, Paulo Berckman e, por último, o inefável Irmão Olavo. Todos, muito preparados, nos faziam trilhar no Latim Clássico e suas difíceis Declinações. Debruçava-me sobre De Bello Gallico, de Júlio César, e sobre as Catilinárias, de Cícero. Patinava no Francês gramatical e nos estilos literários. Guy de Maupassant era desafiador. Tudo isto numa acadêmica salada, em que havia ainda Matemática, Física, Química, Biologia, História, Geografia e Religião, tudo convivendo com o Canto Orfeônico religioso, no qual reinava o Irmão Barreto, exultando os cantos Gregorianos. O Tantum Ergo entrara na minha cabeça e nunca mais me desgarrei daquele “antiquum documentum”. Tudo a misturar-se com os hormônios adolescentes...
O maestro italiano Rino Visani passou a conduzir o Coral Orfeônico, dando um rumo musical mais profano, melodioso e rico de excertos de composições clássicas e folclóricas italianas. Villa-Lobos e suas geniais composições folclóricas, cirandas e cantigas chegaram-nos pelas mãos do memorável músico. Era também violinista. Chegou ao Brasil nos anos 50. Foi condutor e spalla de várias orquestras na Itália e no Brasil. Com uma personalidade forte e competente, ele danificava com facilidade as frágeis baguetes paraibanas. O seu irrequieto temperamento italiano as tracejava impetuosamente no ar. Não suportou, com sobrada razão, o seu sacrificado oficio orfeônico.
Tinha sempre o fervoroso prazer de me esgoelar cantando La Marseillaise do Irmão Hermann alsaciano, que poderia ter se assentado no Baixo Clero do 3º Estado. Ele nos incutia enorme admiração por Marianne e a Revolução Francesa. Falava-nos com extremada admiração sobre Marat, Danton, Robespierre, St. Just, Desmoulins. Dissertava sobre a luta entre os Montagnards e os Jacobins. Nunca mencionou "Dr. Guillotin" e sua contribuição “misericordiosa” para substituir a selvageria da degola dos condenados feitas com um machado. Após entoar a plenos pulmões a Marselhesa, o arrebatado Irmão Hermann, com quase 90 anos, brindava a sua paixão nacional com o grito “Vive la France”. E nós, numa certa irreverência adolescente, o secundávamos eufóricos. O cântico revolucionário de Rouget de Lisle nos impregnou até hoje.
Passada a fase marista, ingressei no Liceu Paraibano, inicio dos anos 60, e lá convivi com Mestres e Mestras competentes e argutos profissionais pedagógicos. Lembro bem de João Viana (Português), Iveraldo Lucena (História), Manoel Viana (Filosofia), Júlio Aurélio Coutinho, Linalda Cavalcanti de Mello (Literatura e Português).
A professora Linalda nos ensinava com devoção e profundidade, alargando as nossas percepções para a riqueza da literatura brasileira e portuguesa. Com ela, no último ano de Liceu, aprendi lições importantes sobre o escrever. Ela admirava o estilo machadiano. Parágrafos curtos, com uma ou duas ideias no máximo; ensinou-me a ser cartesiano: uma ideia após outra, e, se possível, estabelecer conexões conclusivas e/ou complementares. Fiz muitas redações, porque na juventude um dos meus hobbies era escrever. Discretamente, submetia ao seu olhar crítico, passando a ser compulsoriamente um dos meus ”alter ego”.
O passo seguinte foi o vestibular de Direito, a que fui contemplado pela proficiência do secundário. Credito aos meus mestres e mestras a conquista da minha passagem para a vida acadêmica, tendo um bom resultado no citado exame. Alegre e fagueiro, fui até o 4º ano, quando fui extirpado, em 69, pela Ditadura. Nunca mais voltei.
Levantando agora a poeira da minha vida escolar, que já se assentou desde 1955, vejo que a minha vida e a de muitos da minha geração foram lapidadas por nossos inesquecíveis e valorosos professores, os quais nos ensinaram que “não existem caminhos; estes se fazem ao andar”, conforme o sublime catalão Antônio Machado.