Para Sérgio de Castro Pinto e Neroaldo Pontes, embaixadores do Correio das Artes em São Paulo
Não foi fácil minha passagem n'A União. Eu era um rapaz de 32 anos, encarando situações de muita responsabilidade: suceder Nathanael Alves, um homem íntegro, um exemplo de profissional; honrar a confiança do secretário Gonzaga Rodrigues; dirigir um dos mais antigos jornais do país, com dois encartes diários de serviço público – os Diários Oficial e da Justiça, e finalmente administrar uma indústria gráfica, talvez a maior do estado, naquela época. Tudo isso ainda sob o efeito da chamada crise do petróleo, em um ambiente inflacionário tão tumultuado que simplesmente não se podia determinar o preço de qualquer coisa, pelo prazo de 24 horas.
Antiga sede do jornal A União na rua General Osório ▪ Parahyba do Norte ▪ FonteA União / Gov. PB
Nos primeiros dias de atuação, após análise cuidadosa do balanço do ano anterior, constatei que a situação da empresa era bastante complicada.
A União / Gov. PB
A verdade é que não dispúnhamos de nenhum mecanismo de pressão. As gestões eram mais diplomáticas. Apelávamos para a boa vontade dos nossos devedores, muitas vezes para a amizade pessoal com alguns secretários e dirigentes de órgãos, ou até mesmo, quando a situação começava a beirar o caos, para uma ordem expressa do governador.
O jornal era do governo. Até para criticar adversários políticos a gente ficava pisando em ovos. Burity deixaria o governo para ser candidato a deputado federal. Estava mais interessado em somar votos. Clóvis Bezerra queria ter algum sossego no mandato-tampão e adotava uma política de não hostilizar os adversários. Me fez várias recomendações nesse sentido.
De A União ninguém receberia uma única crítica. De lá não sairia jamais uma denúncia contra ninguém. Chapa-branca, a linha editorial, sobretudo o noticiário político, era a famosa “água que não molha, fogo que não queima”,
A União / Gov. PB
Enfim, A União recebia sempre por último, quando recebia, e apenas alguns trocados, quantias muito pequenas, quase simbólicas, em relação ao astronômico crédito acumulado ao longo de vários anos. Na área de pessoal, os sindicatos dos gráficos e dos jornalistas eram muito vigilantes e comunicavam com pontualidade britânica, como se estivessem fazendo uma cobrança, o percentual de reajuste dos salários, fixado pelo Governo Federal, reajustes que, diga-se de passagem, eram praticamente mensais, tal o ritmo da chamada “inflação galopante”.
À empresa só restava operar de qualquer jeito. Demitir, aliviar a folha, reduzir a compra de insumos, economizar energia, reajustar preços, jamais. Éramos “do governo”, a racionalidade nunca foi o forte do setor público. Muito pelo contrário.
O Correio das Artes estava seriamente ameaçado. As prioridades eram obviamente o Jornal, o Diário Oficial e o Diário da Justiça. Não podíamos mais rodar nenhum suplemento. Só Deus sabe como o Correio das Artes ainda circulava.
Correio das Artes, edição do dia 01.01.1950A União / Gov. PB
O ano de 1981 é todo de solavancos e inquietação. Até minha mãe, dona Severina, veio a falecer. Ela tinha apenas 65 anos e representava muito para mim. Foi uma perda que me deixou completamente baqueado e acabou interferindo negativamente no meu desempenho, confesso.
Dezembro, quase nada para comemorar, chega, em um final de tarde, o editor do Correio das Artes, poeta Sérgio de Castro Pinto, com a comunicação oficial da famosa Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA, informando que o Correio das Artes fora contemplado com o prêmio nacional “Melhor Divulgação Cultural em 1981”, por decisão unânime dos seus membros.
Sem dúvida um alento, mas a via crucis prosseguia. As dificuldades financeiras só aumentavam. Dificuldades da empresa e do governo, que vivia a fase delicada da transição do Burity I para Clóvis Bezerra, em meio a um clima agitado
Sérgio viajaria a São Paulo para receber o prêmio. Aos trancos e barrancos garanto-lhe passagem e uma pequena ajuda de custo para uma estada de três dias em São Paulo. Não pude viajar com ele. Também não pude enviar uma equipe maior, com repórter e fotógrafo para fazer a cobertura do grande evento, muito menos contratar uma agência de São Paulo para fazer esse trabalho. É bom lembrar que naquele tempo ninguém nem sonhava com a internet.
Sérgio parte sozinho, levando na bagagem muitos exemplares do Correio das Artes e encontra na capital paulista a acolhida do professor Neroaldo Pontes, grande amigo e colaborador do CA, que fazia doutorado na USP. O fato é que, no dia 17 de maio de 1982, em noite de gala no majestoso Teatro Municipal de São Paulo, lá estavam os dois “paraíbas” Sérgio de Castro Pinto e Neroaldo Pontes, distribuindo o Correio das Artes com os homenageados, autoridades e convidados, entre eles o badalado figurinista Clodovil.
Para nosso espanto, dias depois da festa, não recordo bem a data, Clodovil enche a bola do Correio das Artes, dedicando boa parte do quadro que ele apresentava no programa TV Mulher, da Rede Globo, para fazer elogios rasgados ao suplemento de A União. Foi uma bomba de 50 megatons, aqui na província. O Correio das Artes, coitado, com dificuldades para continuar circulando, virou, num piscar de olhos, celebridade nacional, com direito a imagens das suas páginas, do seu conteúdo, no programa líder de audiência no horário, graças ao gesto de uma criatura que pouco tinha a ver com a cultura: Clodovil Hernandes.
Clodovil Hernandes, na apresentação do programa TV Mulher ▪ início dos anos 1980 ▪ Globo Divulgação
Sentou-se à mesa e foi logo perguntando: “Petrônio, o Correio das Artes é tudo isso que andaram falando na Globo?!”. Respondi: Claro, Dr. Clóvis, o Correio das Artes é uma marca cultural da Paraíba que deve ser preservada. E não vai ser no seu governo que ele vai deixar de circular, não é?
Foi assim que o Correio das Artes escapou da morte ou, na melhor das hipóteses, de um longo período de hibernação, para alívio do secretário Gonzaga Rodrigues e felicidade geral da Nação Tabajara. A façanha está registrada em um belo pôster (na época se dizia cartaz), assinado pelo artista plástico e cartunista Antônio Gonçalves de Sá (Tônio), funcionário d´A União, obra que ainda hoje embeleza as residências de alguns “culturais” da terrinha.
O acontecimento serviu também para que eu tivesse, em um episódio do meu cotidiano, a confirmação da máxima do escritor uruguaio Eduardo Galeano: “O mundo está condenado à ditadura da imagem única. Fora da televisão ninguém vê ou ouve nada, é o totem da vida moderna”. No entanto, como o valor mais alto é a vida, o importante é que, muitos anos depois, com o nosso garoto propaganda ainda em franca atividade, posso dizer mais uma vez: Obrigado, Clô.
Sobre o Prêmio Nacional do Correio das Artes
17 de maio de 1982. Em cerimônia no Teatro Municipal de São Paulo, o editor Sérgio de Castro Pinto recebe o Prêmio Nacional “MELHOR DIVULGAÇÃO CULTURAL EM 1981”, outorgado por unanimidade pela Associação Paulista de Críticos de Arte-APCA ao CORREIO DAS ARTES, “em reconhecimento a contribuição do Suplemento Literário do Jornal A União à cultura brasileira através de edições bem cuidadas, visando o alto nível das colaborações assinadas por figuras expressivas da inteligência nacional”.
O prêmio é considerado um dos mais importantes do país, conforme testemunho do cronista Artur da Távola, na Revista da Semana do jornal O Globo, edição de 31 de janeiro daquele ano, que assim se expressa: “Em nossa terra, porém, o prêmio de crítica mais alto é o da Associação Paulista de Críticos de Arte. A isenção e o alto nível dos integrantes da APCA deferem aos premiados a certeza de uma escolha criteriosa, séria e independente”.
Juntamente com o Correio das Artes foram contemplados intelectuais como Moacyr Félix, Marilena Chauí, Henfil, Fernando Tôrres, Fernanda Montenegro, Irene Ravache, Tony Ramos, Marina Lima, Marcos Rey, Miguel Jorge, o editor José Olympio e outros nomes representativos da cultura nacional.