Não deve ser necessariamente um álbum, pode ser uma dessas caixas não muito grandes, de madeira ou de papelão, essas últimas, das que usamos para proteger algum presente que pretendemos ofertar. Caixa de sapato já acho que não fica bem, pois o que vai dentro dessa arca improvisada merece nossa consideração e respeito. Estou falando do quê? Das fotografias, meus amigos, minhas amigas.
Também fui me adaptando a essas modernidades de se ter um arquivo no computador ou no celular, onde vamos armazenando nossas fotografias, mas não é a mesma coisa do que era lá nos “antigamente” quando levávamos os rolos de filmes para serem revelados. Havia o de doze, os de vinte e quatro, os de trinta e seis poses e ficávamos aguardando a revelação naquela expectativa de saber como haviam saído as fotos. Recebíamos tudo num envelope junto com os negativos. Estes últimos, ali no banco de reservas, caso quiséssemos uma nova cópia daquelas chapas. Era mais sedutor, mais glamoroso, ou não era?
Depois de reveladas eram dispostas num álbum. Tenho vários deles e muito das fotografias que tenho comigo estão também organizadas em caixas de madeira compradas numa papelaria da cidade. Envernizei essas caixas e as tenho com muito cuidado numa prateleira da minha estante de livros. Afinal, está ali a história de minha vida, ou parte dela.
Por falar em fotografias, quantas das minhas eu perdi: nas mudanças de residência, no divórcio, as que ficaram na casa dos meus pais, mas guardei muitas. São testemunhas importantes de minha passagem por este planeta. No meu mais antigo desses registros, lá estava eu com uma bola que presumo fosse colorida na mão, de óculos que haviam me colocado sobre o nariz e de pijama de flanela, todo pimpão. Minha mãe fora dar à luz à minha irmã e alguém estava ali me enchendo de mimos para que eu suportasse a ausência materna. Eu tinha pouco mais de um ano.
O que me fez escrever aqui acerca das fotografias? Já dei a pista: saudade! Isso mesmo, essas imagens, esses registros são danados para nos abrirem algumas cortinas e lá vamos nós viajando no tempo e nas recordações. Foi o que fiz neste primeiro sábado de outono. Vasculhei uma pequena canastra repleta dessas lembranças e lá fui eu viajando no bonde do tempo.
Os retratos de minha infância quando íamos passar as festas de fim de ano na casa dos avós em Campos do Jordão. Eita, gente querida! Muitos ainda por aqui atestando a longevidade da família. Depois os tempos de adolescente, a primeira namorada (quantas promessas que não se concretizaram), imagens da maturidade dando aulas em cursinhos abarrotados de alunos, a fase adulta, dois casamentos e por aí fui. Mas desta vez me concentrei nos filhos e a evolução que testemunhei desses rebentos. Sete! Foi minha modesta contribuição à densidade demográfica.
Algumas dessas fotografias machucaram este coração aqui que anda dando uma rateada vez ou outra: as fotos dos filhos que fizeram aquela viagem que não estava no combinado. Minha vida foi subtraída duas vezes. Nessas horas, diante desses registros, um denso cipoal de lembranças vem nos envolver e cobrar da alma coisas como, por exemplo, o último beijo que não demos.
Chamou-me atenção uma foto de minha filha Janaína, a primogênita. Lá em Ribeirão Preto, pequenina ainda. Devia ter uns três anos, no máximo. Cabelos presos à “maria-chiquinha”, vestindo um biquíni que mal escondia o que lhe cabia esconder. Toda sorridente, como que se o porvir fosse uma campina florida e um bosque verdejante. Penso que as crianças bem amadas veem o mundo desse jeito. Então, a maquininha chamada saudade começou a rodar o filme e fui fraquejando diante daquelas imagens que passavam à minha frente como um filme em cinemascope.
Era geniosa e ciumenta, a danadinha. Vivia agarrada com nosso cão, o Argos. Naqueles anos eu viajava muito, lecionando em cursinhos, mas quando eu chegava a menina era um grude comigo. Gostava de ouvir histórias e música caipira.
Entrou cedo para escola, com a irmã um ano mais nova. Certa vez a professora lhe perguntou se sabia de alguma história e ela de pronto apresentou uma lista: Três boiadeiros, Chico Mineiro, Boi Soberano, Menino da porteira... Era sua paixão infantil por esse gênero musical. Nessa época eu lhe ensinei o que eu diria ser um mantra. Eu perguntava a ela: Como você me ama, filha? E ela respondia: Perdidamente. Eu gostava de fazer esse interrogatório só para me exibir diante de visitas e parentes. Hoje eu aqui amargando minha saudade e só querendo que de onde ela possa estar que me perguntasse: Como você me ama, pai? Eu iria responder: Perdidamente! O que mais eu poderia dizer?