Não tentem traduzir, perde a graça. Royal Briar, sim, em sua tão conhecida forma, é como deve permanecer em benefício das nossas melhores lembranças. Nem traduzir nem buscar a pronúncia dos ingleses, povo em cujo meio a marca surgiu há mais de dois séculos.
Na fala deles, o som – algo próximo de “róial braia”, com língua enrolada no “r” – nada tem a ver com aquele frasco gordinho na penteadeira dos nossos avós, ou pais. Para nós, a expressão britânica é ruído estranho às memórias da mocidade, tempo em que vento nenhum conseguia assanhar cabelos tão forçosamente assentados. É coisa também avessa à loção que, para voltar a perceber com os sentidos de menino, eu, hoje, daria tudo.
Royal Briar, sim, na exata pronúncia das crianças e adolescentes que fomos em todos os recantos deste Brasil imenso. Dito, assim, com nossa inflexão, o termo nos remete aos pais vivos, à família completa, aos primeiros namoros, aos amigos, às paisagens e aos costumes de antigamente.
Imagine, agora, traduzir o rótulo cuja lembrança nos é tão cara se disso resultar, como resulta, “sarça real”... Que coisa é essa? Fui ver e descobri que se trata de um arbusto milenarmente referido. Moisés deparou-se, espantado, com um deles em chamas. Aquilo ardia sem se consumir, sem virar carvão. Misteriosamente, o fogo não o queimava.
Pois bem, aquele a quem logo depois seria entregue o primeiro código ético e moral da humanidade, duas tábuas com dez sentenças, largou o gado do sogro, do qual cuidava, a fim de melhor observar aquele mistério. Foi quando uma voz o deteve: não deveria se aproximar daquele fogo. “Sarça ardente”, está lá, desse jeito, na Bíblia. Lembram não?
Nos idos de 1799, James Atkinson, o sujeito que em seguida seria o perfumista da Corte Real da Inglaterra, cunhou a marca que encantou a nobreza. Vem desse tempo, ainda, a “English Lavender”, a lavanda inglesa das antigas penteadeiras, bem ali ao alcance dos menos abastados. Isso mesmo, minhas e meus camaradas, aquilo que ia à cabeça e pele dos nossos ancestrais e à de muitos de nós já foi a essência preferida por reis e rainhas.
Mas, pasmem, não é que por volta de 1960 a brilhantina Royal Briar tornou-se brega e começou a perder prestígio até para as concorrentes Palmolive e Colgate, produtos de gente sem sangue azul, coisas dos americanos! É bom dizer que essas duas últimas atraíam os meninos da minha geração menos pelo aroma e mais, muito mais, pelos zagueiros que suas tampas proporcionavam ao futebol de botão. Acho que ambas reinaram até princípios de 1960. Não mais existiam como produtos de uso diário à época dos embalos do sábado à noite, aqueles de John Travolta com seus trejeitos e cabelos duros de gel. Refiro-me ao moço do filme “Grease” lançado em 1978 para uma juventude que, muito antes disso, já amava os Beatles e os Rolling Stones.
Nos idos de 1960, se a mente não me trai, tiramos da testa o cachinho “pega-moça”, abandonamos o espelhinho de bolso e o pente de plástico que, até então, não largávamos. A propósito, na linha abaixo do equador, palmolive nunca foi “palmolaive” nem colgate, “colgueite”. Isso, também, é pronúncia de gringo, é coisa estranha ao nosso sotaque e à nossa alma.
Ah, a velhice... Sem mais nem menos, lá vêm do nosso passado lembranças como a das antigas penteadeiras, suas caixas, potes e frascos. Agora mesmo, os ventos de 1959 também me trazem o porta-chapéus e a cristaleira da minha casa, os amigos em camisas de mangas enroladas (apesar de curtas), meninas de saias plissadas e galochas para os dias de chuva.
Nas imagens que assim me chegam tudo isso tem a beleza e o encanto que na época eu não percebia. Nem vocês, confessem. Falo aos tão ou quase tão adentrados quanto eu e, evidentemente, com essas mesmas saudades.