▪ contém spoiler
Esse livro me pegou. Eu poderia escrever páginas só elogiando a forma que Roth escreve, ou os fantásticos cenários contrastantes que ele apresenta em uma escaldante Newark e em uma paradisíaca Pocono, ou até mesmo exaltando a grande construção de personagem que ele traz. No entanto, nada se compara as discussões que Roth traz nesse livro.
Primeiro, a perda da fé. Como acreditar em um Deus que permita tanta injustiça, tanta dor, tanto sofrimento. Um Deus que mata, que aleija. Que permite uma mãe morrer no parto. Que permite o holocausto. Um Deus que, enquanto faz tudo isso, derrame benesses em outras comunidades.
Há também o sentimento de dever. Cantor assume um compromisso com as crianças do pátio, abnegar dele quando as coisas se complicam torna-se uma tortura. Ele já sente que está devendo por não ir a guerra com seus amigos, por não cumprir seu compromisso com seu país. Deixar de cumpri-lo também com sua comunidade para fugir para sua zona de conforto só vem com um preço, a culpa.
A culpa tem protagonismo no livro. Cantor, que já se sentia culpado por não ir à guerra, aumentou seu sentimento ao abandonar suas crianças e fugir para sua “Pasárgada”. Quando as crianças do acampamento começam a adoecer também, aí sim a culpa atinge níveis estratosféricos.
Entretanto, por que tudo isso acontece? Por que Cantor questiona tanto sua fé? Por que nutre esse sentimento de dever? Por que se culpa tanto? E, acima de tudo, Por que nos identificamos tanto com Cantor? Porque Bucky, assim como nós, é um baita de um egoísta, turbinado por uma cultura machista.
Por que Cantor questiona tanto Deus? É pelo holocausto? Não. É por todas injustiças que Ele cometeu com o pobre Bucky, tão merecedor. Um cidadão de bem. Pq ele não queria largar o emprego no pátio? Era pelas crianças? Não. Era por sua honra. Ele já não tinha sido “homem” suficiente pra ir pra guerra. Agora, abandonar seu emprego por causa de uma “gripezinha”? Não pode. Quando descobre que os pátios seriam fechados, ele não estava nem aí para as crianças, mas sim muito chateado de não ter aguentado mais um pouco no trabalho e assim não ter manchado sua honra. E a culpa? Ele não está preocupado com a consequência dos seus atos em outras pessoas, mas sim com a possibilidade de ele ser o responsável. O abandono de sua noiva é o melhor exemplo. Ele não se importa com ela. É sempre ele. Deixá-la livre surge como sua última chance de ser honrado. De tomar uma atitude heróica. Nobre. Não importa se não era isso que ela queria. Ela não é importante, não mais do que o orgulho do Cantor.
Roth nos dá um retrato fiel da humanidade. Sim, somos fúteis. Mesquinhos. Narcisistas. Ególatras. Tudo se resume a nós. Porque nos achamos melhores. Mais espertos. Mais nobres. Mais merecedores. Recebi o livro em março ainda e li em poucos dias, mas ele segue devorando minhas entranhas. Sinto que o ruminarei por um longo tempo ainda. Estou me sentindo culpado por me sentir culpado.