A propósito de quê, escolhi este tema para tratar? Muito simples, vou contar. Estava relendo tranquilamente O livro dos fragmentos, de Antonio Carlos Villaça (Editora Civilização Brasileira, 2005), quando, às páginas tantas, ele assim se refere ao maestro Ricardo Duarte, seu amigo: “... tão fino, tão delicado, tão sensível, tão introspectivo, casado com mulher forte”. Veja só. Esta expressão, “casado com mulher forte”, é suficiente, pelo menos para mim, para formar de imediato uma imagem desse casal. Ele, tímido, calado, muito educado, certamente; ela, mandona, extrovertida, decidida, a dona da última palavra sobre tudo. Quem já não conheceu uma mulher assim?
Noutra página, Villaça, ao referir-se ao jornalista Gílson Amado, irmão do célebre Gilberto, assim escreveu: “ ... Gílson não tinha envergadura. Era o tipo da figura menor. Casado com mulher poderosa, Henriette”. Temos aí o mesmo quadro do casal anterior: marido fraco de mulher forte. Ele, coadjuvante; ela, protagonista. Que coisa. Esses casais chegam a ser, muitas vezes, constrangedores, pois não é realmente agradável assistir a tanto mando e a tanta submissão.
Margaret Thatcher, a ex-primeira-ministra britânica, conhecida como “a dama de ferro”, exalava poder e autoridade publicamente, mas em casa, parece, sabia manerar no trato com o marido, Denis, figura muito discreta, que nunca quis aparecer e que levava tranquilamente sua vida de empresário bem sucedido, sem se deixar afetar muito pela celebridade da esposa. Situação nitidamente diferente ocorria com o casal Reagan. Ele, Ronald, ex-presidente dos EUA, era docilíssimo à mulher Nancy, esta, sim, poderosíssima, pois que mandava no suposto homem mais poderoso do mundo.
Conta-se que o general Eurico Gaspar Dutra, presidente do Brasil de 1946 a 1951, mandou fechar os cassinos no país não por razões de Estado, mas para atender simples capricho da mulher, dona Santinha (o apelido já diz tudo), a qual, catolicíssima, considerava o jogo, qualquer jogo, coisa do demo. O prejuízo e o desemprego decorrentes dessa medida foram imensos, principalmente no Rio de Janeiro, capital da República à época. Dona Santinha, cujo nome oficial era Carmela, assim como Mrs. Reagan, também mandava poderosamente no poderoso marido.
Lembro da história de um amigo que foi negociar a compra de um imóvel com um casal. Ele pensava, ao sair de casa, que iria tratar do assunto com o marido, como costuma (ou costumava) acontecer nessas situações. Chegando à residência do casal, a coisa foi outra. O homem não deu uma palavra, ficou mudo, enquanto a mulher tomou o microfone e falou – e decidiu - pelos dois, ardorosamente. Resultado: o negócio não foi feito, pois era verdadeiramente impossível negociar qualquer coisa com aquela mulher mandona e intransigente. Foi ruim para quem queria vender e ruim para quem queria comprar.
Fico pensando que essas mulheres fortes, com maridos que não fossem fracos, dar-se-iam mal. Porque ou baixavam o facho ou o casamento acabava. Não haveria outra opção, já que “dois bicudos não se beijam”.
Não conclua precipitadamente o leitor que admiro as mulheres submissas. Deus me livre dessas. Pois como aceitar uma parceira sem personalidade, sem vontade e sem opinião próprias, mero espelho do marido, até nas menores coisas? Mulheres há, sabemos, que se anulam tanto diante do companheiro que chegam a desaparecer completamente, tornando-se invisíveis, como se fossem mágicas. E o pior é que muitas agem assim não porque são forçadas, submetidas à lei do mais forte, mas o fazem de livre e espontânea vontade, até mesmo com prazer, o misterioso gosto de não ser.
Não podemos esquecer aqui o tipo inteligente de mulher que manda obedecendo. Esse é o tipo mais sutil e, por que não dizê-lo?, perigoso. Será o mais comum, o que se encontra mais? É possível. Em qualquer situação em que vejo um marido afirmar que vai trazer a mulher para dar uma opinião, já sei que quem vai decidir é a esposa. Os corretores de imóveis, por exemplo, estão cansados de saber que é assim. E poderia ser diferente?
O bom mesmo é quando não há no casamento, pelo menos à primeira vista, nem o(a) muito forte nem o(a) muito fraco(a). Na arena conjugal (e na diplomacia), deve, dentro do possível, reinar o consenso, sabemos disso. Como em todas as relações humanas, o excesso de força ou de fraqueza de uma das partes – ou de ambas - pode por tudo a perder. Casamento é um jogo em que o empate é sempre bem-vindo.