Coincidiu que, agora em 20 de março – aos 80 anos -, tive um infarto e escapei na sala de operações, enquanto, nove dias depois, perdíamos o grande designer gráfico Elifas Andreato, 76 anos, “por complicações - segundo vagas reportagens - de um... infarto”. Como sempre fui fascinado por suas capas de discos e cartazes, foi inevitável me lembrar de que fui também, várias vezes, capista. Na verdade, criei apenas a da revista BAZAR, maio de 99, transformando a bandeira nacional em um olho severo direto no leitor.
Explico:
meus primeiros livros saíram por grandes editoras, que nunca me consultaram a respeito de como eu gostaria de vê-los apresentados. Da capa da Ática para “A verdadeira Estória de Jesus” gostei muito: Jesus com coroa de espinhos, mas um grande J no peito da roupa de super-herói, combinação que tem muito a ver com a “carnavalização segundo Bakhtine”, detectada no meu texto por Affonso Romano de Sant´Ana. Mas na da Record, para “Israel Rêmora”, forçou-se a mão quando se colocou nela um nu feminino e o subtítulo “O Sacrifício das Fêmeas” – pinçado no de um capítulo em que meu personagem vai a uma caça de baleias em Costinha. Já a Moderna inventou de ilustrar a capa de “A Canga” com um Cristo crucificado visto de cima, como o de Dali inspirado no de San Juan de la Cruz, e eu nunca soube de onde tiraram aquilo. A Itatiaia botou na capa de “A Batalha de Oliveiros” um guerreiro medieval, quando a batalha de meu protagonista é totalmente mental e contemporânea.
Minha primeira intervenção numa capa só aconteceu quando vi a que fora projetada pela A Girafa, do José Nêumanne Pinto, para “Relato de Prócula”. Como, apesar do prêmio Funarte que recebera pelos originais, o livro não interessara a nenhuma grande editora, acabei pagando a ele pela edição e pedi que, na fachada do romance, mandasse reproduzir a tela com o “retrato” de “Coriolano” – que faz parte de meu painel “Homenagem a Shakespeare”, da UFPB – com o que transformei o general da tragédia em Pôncio Pilatos, figura que atormenta meu personagem, Padre Martinho Lutero, pelas coisas que o sacerdote descobre ao pesquisar para o papel que faz na semana santa, depois de afastado da diocese de Pombal por Don Aldo Pagotto.
Meu primeiro poema longo, ou “tratado poético-filosófico” - “Trigal com Corvos” - foi, por indicação minha à Imprell, reprodução da obra homônima do van Gogh, tendo, em primeiro plano, meu autorretrato feito a partir de foto de Gustavo Moura para as filmagens d”A Canga” de Marcus Vilar. Como todos os livros da série foram bancados por mim, consegui que a editora Ideia capeasse “Marco do Mundo” com um fotograma do “Metrópolis”, de Fritz Lang, e que para “Esse é o Homem” reproduzisse foto feita por minha filha Andréia do mural que há na frente de nossa casa, mandala em que se materializa a teoria de Gustav Jung de que todos tentamos chegar ao centro de nós mesmos, embora nem todos o consigam.
Para “DeuS e outros quarenta PrOblEMAS”, pedi que reproduzisse quadro meu, que pertence ao acervo da Biblioteca Central da UFPB, em que alguém tenta escalar a ruína de um templo greco-romano de cabeça para baixo, o céu como um abismo sem fundo.
Para capa do romance “Arkádtich”, em que não fica claro se meu protagonista, professor de filosofia da UFPB formado na época da ditadura, vem da Sorbonne, de Paris, ou da Patrice Lumumba – de Moscou, pedi que se pusesse um dos “retratos” típicos de Ismael Nery, com a dupla face de um rosto – uma iluminada, outra na sombra.
Andei fazendo, também, um retrato do amigo maestro Kaplan para quarta capa de seu “Antes que me esqueça(m)” , de memórias, livro de que fui um dos revisores, e um retrato do amigo cronista Nathanael Alves, para a capa de “Um terraço para Nathan”, de José Nunes.
E à editora Penalux indiquei , para meu livro VIDA ABERTA, que reproduzisse “O Universo no século XVII” – Representação gravada em madeira, usada por Camille Flammarion em seu livro “A atmosfera: meteorologia popular”.
Para a revista Moringa, da UFPB, dezembro de 2007, apliquei o retrato do dramaturgo Altimar Pimentel, que eu fizera para a série PENSE GRANDE, uma das 70 criadas para capa do caderno FIM DE SEMANA , do hoje extinto Jornal O NORTE, em 2000 e 2001.
Resumindo:
apesar de todas essas coisas surgirem com a associação de meu infarto ao de Elifas Andreato, jamais fiz – na sua área - nada de especial, genial, ... como me parece a capa de “1/6 de Laranjas Mecânicas, Bananas de Dinamite”, ed. Arribaçã, que o Leonardo Guedes criou em cima de minhas indicações.