Para quem leva a sério ou, pelo menos, vê sentido em saber onde pisa, a qualidade de seu chão e do seu povo, suas potencialidades naturais e históricas, nada como se deter, uma vez ou outra, nas Notas sobre a Paraíba de Irineu Joffily. Não há melhor companhia, sobretudo para quem não se sente ou nunca se sentiu muito firme e seguro no presente.
Nesse aspecto – o de possuir história de acervo seguidamente enriquecido – temos pouco a nos queixar, mesmo diante de pujanças materiais e culturais de outros patrícios seccionados em sua naturalidade, províncias e estados, como o vizinho Pernambuco e os da hegemonia do ouro,
Engenho Capim Assu ▪ Fonte: Brejotur
Meninote, aprendi me arranhando em cima do burro e por entre enfieiras de agave, a dependência de quem planta das matrizes que ditam o preço. Vi meu pai desfazer-se de sua grande obra, construída de roçado em roçado até chegar a bueiro de engenho, porque o Seridó já não descia por Pocinhos atrás de nossa rapadura. Não era mais senhor do seu engenho, mesmo vivendo sem grande diferença de comodidade e conforto dos seus dez ou doze moradores. Vi meu colega Roosevelt, herdeiro do mais orgulhoso dos coronéis, debruçar-se desolado na banqueta empoeirada do seu belo engenho, o Capim Assu onde nasceu Pedro Gondim. Brejo, cariris e sertões já não gastavam o seu produto, rendido pelo açúcar de rico, bem triturado e branco. Sem ais nem lágrimas, já homens, choramos juntos. É em cima disto que mais nos aproximamos da verdadeira história.
Há um depoimento do coronel José Rufino de Almeida, recolhido em pequena brochura por seus filhos Alice e Antônio Augusto, que guardo na estante ao lado de Casa-Grande & Senzala do mestre Gilberto Freyre. Aos meus ouvidos de menino brejeiro ninguém era mais coronel do que ele em tradição, prestígio social e relativo poder econômico. No entanto, na hora em que o interesse externo disponibilizou seu mercado para o sisal,
Engenho Beatriz ▪ Fonte: Brejotur
O livro de Joffily, ditado pela vivência sofrida da terra e do homem, quanto mais passa o tempo mais se torna apaixonante. De uma necessidade apaixonante foi a expressão espontânea, reincidente do meu entusiasmo pelas “Notas” de Irineu Joffily, de vigor sempre renovado a fugir do traçado e pomposo estilo europeu.
Por sugestão de aula do professor Milton Delone, do efêmero Ginásio Castro Pinto, seguidor rigoroso da gramática de Eduardo Carlos Pereira, eu tinha quebrado a cabeça com a leitura de Alexandre Herculano, “o maior vulto das letras lusitanas do século XIX”. Degluti à farta e mesmo com entusiasmo, além das “Lendas e Narrativas”, a grave e severa “História de Portugal”. Foi tão farto o banquete que vivi meu instante de nariz pra cima, enjoando-me dos Rocha Pombo da história oficial brasileira. Ainda dei colher de chá a Alfredo D’Escragnolle Taunay,
Torpedeado nessa iniciação, dei com as “Notas” de Irineu Joffily na estante preciosíssima do velho Bertino do Carmo Lima, um contador que lia Marx, recorrendo a ele sempre que o imperialismo do presente produzisse a necessidade de interpretação à luz do marxismo. E não somente vi ou li o livro de Joffily, como saí com ele, levando-o na cabeça e nos peitos, arrostando o sol e a areia quente dos caminhos e veredas da paixão do autor.
Meio século depois, já setentão, quando Dorgival Terceiro Neto, de sua casa de fazenda de Taperoá, mostrou-me o Pico gigante, rival do Jabre, que se ergue à pouca distância dali, lembrei-me da esforçada e temerária subida de Joffily, do seu voo de águia, para ver de cima, como vira antes no cimo do Jabre, o descortino de serras, águas e terras daquele acidentado mapa natural da Paraíba. Hoje, de helicóptero, não se tem desses desejos.
Passando ao livro, ao seu modo de ver e transmitir, é preciso notar que nisto o paraibano antecipou-se a João Ribeiro e Capistrano. Estes, já com suas concepções, ainda não haviam dado a graça do seu enfoque “fora da pompa e grande estilo” seguido até então.
Irineu Joffily ▪ Fonte: Paraíba Criativa
Descrita a terra, percorrida e avistada de cima e ao sopé da Borborema; conhecido o sertanejo de rédeas livres tão bem montado quanto o fazendeiro, o brejeiro quase sempre segurando as rédeas do senhor de engenho, Joffily nos conduz a ser pessoa da história, a nos ver nela, a buscar a consciência da nossa identidade.
Página a página, passo a passo, nos incorpora a seu sertanismo em busca de uma única riqueza, a de sabermos quem somos. Como jornalista, advogado, homem público e lavrador da pesquisa histórica, é a essa a busca que ele se entrega. Sustentada de seu bolso num jornal de conscientização e defesa da terra paraibana. E sem tirar os olhos do mundo, como se vê da sugestão feita ao contemporâneo Pedro Américo: “Pinte a Paraíba, homem! Pinte Areia!” tão angustiante que a iniciativa de um homem só, José Fernandes de Andrade, individual, privada, não pôde esperar pela das instituições públicas, tudo fazendo para reeditá-la.