Todas as manhãs de domingo ele saía silencioso do quarto. Ia à padaria, comprava pães quentes, derretia queijo, fazia café, tirava as sementes do mamão. Trazia até a cama e me acordava com brincadeiras. Fazia tudo isso sagazmente, premeditando receber recompensas.
Era desse jeito que ele me amava, com rituais e gentilezas, com pequenas coisas que faziam meu amor nunca acabar, nunca perder o encanto. O simples fato dele existir, tornava meu mundo melhor.
Sabíamos fazer do nosso amor algo que ultrapassava as dificuldades do cotidiano, o ciúme, as inseguranças, a falta de dinheiro, construindo um sólido amor, lindo. Amar lindo é muito difícil. Não permitíamos que a rotina, as brigas, os mal-entendidos, se alojassem em nossa vida.
Desde muito cedo nos tornamos cúmplices, companheiros de vida, de ideias, de sonhos. Tivemos filhos e os vimos crescer cada um a seu tempo. Seguimos a ordem natural que a vida ia nos apresentando.
Ele era um homem bom, desses que conseguia enxergar a amargura nos olhos dos outros, que sabia ouvir quando alguém precisava fazer um desabafo.
Eu descobri nele o melhor amigo. Líamos o mesmo livro, combinávamos no que gostávamos de assistir na televisão, passeávamos de mãos dadas pelas ruas, mesmo depois de muitos anos casados.
No entanto, nossas personalidades eram opostas. Eu, solta e livre. Ele tolhido, tímido. Nossos defeitos faziam com que nada caísse no cotidiano, na mesmice. Discutíamos, levantávamos a voz e daí a pouco, estávamos rindo de qualquer besteira. Nosso bom humor prevalecia acima das perturbações.
Os pequenos gestos fizeram com que nosso relacionamento se sedimentasse em algo maior do que os da maioria que conheço. Conseguíamos e nos esforçávamos em surpreender um ao outro com ternura, com carinhos explícitos, com atos cuidadosos, e principalmente muitos, muitos beijos.
Se eu pudesse prever o futuro, antes o teria embrulhado em papel celofane, desses transparentes, brilhantes, frágeis, onde se colocam maravilhosos buquês de flores. Teria o cuidado de apreciar cada centímetro do seu rosto e corpo, cada falange dos seus dedos. Teria guardado o perfume da sua pele em algum frasco hermético que só seria aberto quando a saudade fosse muito grande.
Agora, enquanto caminho sozinha nas calçadas da noite, uma lua me acompanha veloz e eu o enxergo dentro dela. De lá, ele me olha firme e anda comigo pelas esquinas, ladeiras, empurramos latas de lixo, ouvimos gatos miarem. Ele continua sendo meu companheiro, meu amor, minha saudade.
▪ Fragmento do livro “Tempo de Contar Telhas”, em conclusão.