Mesmo os meios de transporte, tipo automóveis, motos e bicicletas, só se movem se o ser humano provocar o movimento. Não é comum alguém constatar que alguma coisa se move sozinha. Vá lá, o controle remoto da TV é uma exceção. Não é incomum deixá-lo num lado da cama e encontrá-lo na mesa de cabeceira. Porém é só isso. Móveis rangerem de madrugada e bolinhas de gude baterem no chão do apartamento do seu vizinho de cima são coisas do além, e nessa seara eu não entro; é a área de mãe Leca. E foi exatamente ela quem deu a prova definitiva de que documentos se movem sozinhos, sim.
Estávamos voltando de uma viagem ao exterior onde a futura avó de Luiza aproveitou a participação na Maratona de Paris e lotou quatro grandes malas com mimos para a neta que será muito bem vinda em agosto. Óbvio que a consequência era uma infinidade de notas e faturas que dariam direito ao tal tax-free; ou seja, a devolução do imposto pago. Como toda boa cartomante, mãe Leca é fissurada em dinheiro. Para se ter uma ideia, nosso voo estava marcado para as 5 da tarde e chegamos ao aeroporto ao meio dia. Teria que dar tempo de resgatar a grana. Ela era a primeira da fila e o funcionário nos atendeu gentilmente, carimbou aquela montanha de papéis e indicou o local onde a grana lhe seria entregue. Tudo certo? Não, simplesmente o passaporte dela sumiu, eclipsou-se, virou ilusão.
Ah, queridos leitores, as malas já despachadas, uma fila enorme de gente atrás de nós também querendo receber seus caraminguás e o danado do passaporte nem tchans. Haja procurar, muita gente ajudando e nada. Claro que não poderíamos embarcar sem o passaporte da sensitiva, que nessas horas perdeu todo seu poder de adivinhação. De volta ao balcão da empresa aérea contei o que acontecera e o gentil homem disse que teríamos de ficar mais dois dias lá, já que o consulado brasileiro só abriria na segunda feira para emissão de um novo documento. Com presteza determinou que nossas malas nos fossem devolvidas.
Quando eu, muito “satisfeito”, empilhava os quatro monstruosos volumes em dois carrinhos, eis que mãe Leca simplesmente me abraçou pelas costas, deu um cheiro em meu cangote e disse: “— Lindinho, achei o passaporte, estava na minha bolsa”. Até hoje ela não sabe explicar como um passaporte perdido criou asas e foi parar dentro daquela bolsa.
O pior de tudo é que fui contar essa história a algumas amigas e todas garantiram ter acontecido algo semelhante com elas, seja com chaves de automóveis, pulseiras, anéis e até um improvável violoncelo.
Será que os objetos só criam seus próprios movimentos quando estão na posse das mulheres, graças aos seus encantos, ou isso é um pensamento machista meu?