Alguém me deu um mapa da cidade e eu aceitei. A moça falou que tudo estava fechado, que era melhor eu ir pela sombra. Sombra? Que sombra? A cidade derretia, eu vivi momentos num quadro de Dalí.
Que coisa louca aquele verão. A fome veio junto com o calor infernal. Eu andava cambaleando pelas ruas de pedra, não foi servido nada na viagem e eu não encontrava nada aberto para comprar um pão velho ao menos.
Eis que na descida da rua encontro uma fonte, dessas antigas, lindas, jorrando água gelada na piscina quente. Não deu outra: caí de boca no jato e fui tirando os sapatos e me jogando ali dentro. Logo me senti um delinquente faminto e dali percebi uma sombra de uma única marquise no canto da rua de pedra.
Deitei, após matar o calor e sede naquela quina da esquina áspera, todo molhado e agora mais faminto. De fome, adormeci. Me veio um sono de criança que não quer acordar para ir ao colégio. Mais pra perto do final do dia, acordo de vários sonhos com lasanhas, o tempo não apressava, no último pesadelo eu mordia um pedaço de pizza e um cachorro lambia minha orelha, parecia real, esse.
E era! Viro a cabeça e ela está lá, uma senhorinha italiana linda de olhos e cabelos violeta e seu yorkshire a balançar o rabo festivamente, certamente por ter encontrado alguém naquela cidade desértica. Foi real, o pedaço de pizza estava na minha boca, tinha sido colocado lá pela senhorinha amistosa e voluntariosa. Ela me explicou que me viu muito sofrido e aflito mastigando vento, imaginando que seria fome, por não ter nada aberto por ali e que eu tinha cara de menino bom, ademais ela já passara fome igualmente naquele mesmo lugar.
Ou seja, um anjo que veio me visitar de carne e osso. Perguntei seu nome, ela se foi deixando um rastro de âmbar do perfume “dolce vita” cantando "amore scusami" uma bela melodia do cancioneiro italiano. Eu a procurei nos arrabaldes por um período de 12 meses e nem sequer uma peninha da asa encontrei, sua voz, não ouvirei jamais, só sinto seu perfume pela eternidade.