Pouco depois da hora média que marca momento de oração para os cristãos católicos, percorríamos a calçada da Praça 1817, espremidos por transeuntes e carros, seguindo o rastro da memória de caminhantes imputáveis de culpa pelo abandono de casas que do passado carregam a marca do silêncio.
Éramos dois solitários homens do interior, que traziam consigo sinais do tempo e as sombras dos lugares de onde viemos, mas justificados em cada rua desta cidade pelos momentos vividos ou pelos fatos recolhidos nos livros de História. Ambos alimentados pela oração e animados pelos benditos e ladainhas que ouvíamos ao redor do oratório.
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Na sombra das raquíticas árvores da praça, levantamos os olhares para o beiral das casas, catando os resquícios do apogeu de outrora, baseado na cana, no café, na agave e no algodão.
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Enquanto meu amigo observava e falava sobre os detalhes da arquitetura dos prédios, a marca do passado da Filipeia de Nossa Senhora das Neves, eu ouvia e continuava calado. Repousei meu espírito de agricultor na paisagem urbana para melhor compreender cada pormenor que Gonzaga Rodrigues acentuava com repetidas gesticulações. Usava palavras e gestos para mostrar todo apego pela cidade.
Encostado na parede, ele percorreu com os olhos o passado guardado nas residências e na extensão da praça, apontava onde antes existiam imponentes monumentos que registravam o apogeu que o açúcar proporcionou. Revelou com os olhos de saudade, os lugares da antiga Igreja das Mercês, onde ficava o antigo prédio do Jornal A União e velhos casarões ao redor. Tudo desfruído!
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Uma destruição dispensável, que na mesquinhez do olhar para o futuro, esqueceram de guardar o passado, que transformaram em pó. Mesmo que ainda existam algumas casas com eira e com beira, é pouco diante da grandiosidade histórica que representavam.
No decorrer de cem anos a cidade perdeu sua paisagem original, o que poderia ser evitado. Avultou a destruição de expressivos elementos que compõem a arquitetura como registro da história de quatrocentos anos, composta de edificações que mereciam continuar existindo. Em muitos casos teve a omissão do poder público ou o desmazelo de herdeiros. Uma barbárie a derrubada de monumentos, o que murchou a paisagem exótica e poética da cidade que enchia os olhos de senhores do mundo, do naipe de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Johan dos Passos, Mário de Andrade, de Burle Marx...
Saulo R. de Andrade
Ainda é agradável percorrer a cidade e fazer um passeio pela memória.