Minha homenagem às sogras em geral e, em particular, à minha sogra D. Tezinha, no Dia Internacional da Mulher.
No mundo onde as mulheres sempre foram o Segundo Sexo, as sogras ocuparam talvez o terceiro, um entrelugar de des-respeito por homens e mulheres; sempre vista com escárnio, como se fossem alguém fora do lugar. Além da mulher estar sempre fora de ordem, secularmente vista como objeto, a mãe do cônjuge é tida como alguém não confiável, sempre à espreita, e estigmatizada pelos
dotes de feiura, incapacidade, e de invasão. Uma intrusa! Que invade de formas diferentes a vida de um homem ou uma mulher. E aí temos uma outra diferença: sogra de homem e sogra de mulher. Invasões distintas.
Um lugar de des-conforto e des-confiança esse de sogra. Mãe do marido ou mãe da mulher, são modelos diferentes. Desde sempre a oposição binária estereotipada. Não é à toa que tem a expressão – Casa da Sogra – como sempre algo pejorativo, casa sem dono! Lugar de todos e de ninguém. Nós mulheres, estamos sempre aprendendo a lidar com esses lugares subalternos, periféricos e destituídos de poder.
Atenta a essas questões desde menina, sempre tive um olhar solidário às minhas sogras. E sempre fiz parceria. Inimiga? Ao contrário, fiz aliança. Nunca tive o desejo de disputar o amor do filho de ninguém, ainda mais com a mãe! E, como tenho dois filhos homens, esse sentimento quase inconsciente, também deu sinal de alerta ao lidar com as noras queridas. Portanto meninas, sogras somos nós todas!
Tive três sogras. Oficiais. E sempre nutri muito carinho por elas. E como dizia a cantiga popular “Terezinha”:
A
primeira me chegou, quando ainda era uma menina. Tinha medo do seu nome forte. Mas, quando lá cheguei,
fui recebida com amor. Sempre. Tinha amizade com meu pai e minha mãe. Por tabela, transferiu tudo pra mim. Sopa de feijão. Camarão à francesa. Conversas na cozinha. Ou no terraço, ao lado de um jarro – comigo ninguém pode! Sua casa? Um ponto de encontro de toda uma rua e geração. Gostava do jardim. Do quintal, por onde eu tinha lá meus esconderijos. A mesa? Tamanho gigante, sempre com um bule de café para os/as amigos/as, namoradas/os dos/a filhos/a. Fui felize acolhida nessa casa. Quando partiu para as estrelas, chorei muito. Por ela e por mim. Escrevi crônica, pois o espaço poético da sua casa estava entranhado em mim. Saudades de D. Otaviana.A
segunda me chegou quando estava mal-tratada pelo momento em que eu vivia. Novamente, na província, era muito próxima do meu pai. Sua família, seus pais, amigos do meu. Granja com cachoeira- Água Fria! onde hoje virou cidade, prefeitura, Bairro dos Bancários. Sua casa? Meu abrigo.
Sempre tão solidária comigo. Tão humana. Eu, uma mulher divorciada, mãe quase solteira, e ela, conservadora de família, tão libertária também. As complexidades do ser humano. Era elegante em tudo. Mas foi muito mais, quando sentadas na rede, conversamos intimidades. O seu quarto? Um dia foi o meu, com meu bebê no colo. Não esquecemos atos de amor. Solidária comigo até o fim. Conversávamos ao telefone. Mesmo depois que fiquei sozinha de novo. Queria saber de mim. Quando no Café do Shopping nos encontrávamos, era uma festa. Torcia por mim. Alegrava-se com minha alegria e caminho. Elegantemente também se foi. Escrevi sobre a partida e saudade também D. Regina.A
terceira me chegou quando eu acabara de me tornar balzaquiana. Numa casa de muitos filhos, chegou uma moça, divorciada, separada, com filho nos braços, e apaixonada pelo seu filho mais bonito e talvez o mais querido. Nunca se sabe o tamanho do coração de uma mãe. Virei querida de imediato. Mesmo tomando cervejas em demasia e organizando
festas partidárias nos seus alpendres.Com aconchego, bom humor, e sem nunca julgar nada, essa mulher do século passado, tão submissa pra umas coisas, tão moderna para outras, recebia, e estava sempre a sorrir diante da felicidade dos filhos. E do seu amor. Cantava Roberto Carlos e Nelson Gonçalves quando queria chorar a saudade do seu amado. Pensei que não iria resistir, pois fora criada para amar o marido e servi-lo. Só tinha ele naquela solidão de Camboinha.
Qual nada! pôs-se a contemplar o mar, a aguar o jardim e continuou vida afora. Tão afora que fugiu do pensamento. Foi-se a vagar pela escuridão de uma doença de nome alemão. E balbuciava palavras que eu não entendia. Mas antes, entendi o que era luxo. O luxo de sua casa enorme à beira mar. O luxo de ter uma suíte toda minha, com filho pequeno, e com um fusca sem cinto de segurança. Uma banheira branca no banco traseiro que levava meu bebê nos dias de solidão. Carnaval, Semana Santa, São João, Dia de Finados, dos vivos, todos os domingos feijoada e um terraço de vista para o mar. Alguns coqueiros – minha árvore preferida, e um pé de oliveira fazendo a ponte do areal e da beira mar. A churrasqueira? Teve visitas, aniversários, coração de galinha, cerveja, amigos, brindes, amores em noite de lua, tudo de luxo que se pode querer nessa vida.
Camboinha só me deu felicidade e amor. Sua casa? Teve que ser vendida, quando já não mais podia aguar suas plantinhas e os pés de pitanga ao lado do chuveirão do quintal. Mas, o novo dono, tão tacanho nas medidas, reformou aquela casa linda e pitoresca, cercada de varandas suspensas, em uma torre branca sem personalidade. A cara do novo rico, com rosto de ostentação. Sem nenhum respeito pelos espaços subjetivos que ali habitaram antes. Quase irreconhecível!
Outro dia, tive que rodear a beira mar três vezes, perdida num oceano de incredulidade. Para poder ter um tantinho de certeza de que ali era a sua casa. A minha casa. A casa que todos os filhos aportaram um dia. Veraneio. Peixe frito. Cuscuz com coco e ovos mexidos. Em altas noites, namorei muito nas redes dos alpendres. O meu amor dormia tranquilo nos meus braços, e meus filhos? Sentindo-se príncipes desde pequenos. Um e outro. Outro e um. Sem distinção da mãe divorciada, e de sogras outras.
Minha sogra então se despediu da vida. Resistiu. Não quis ir embora. Tantos anos presa nas memórias? Quem sabe porque ainda escutava Roberto Carlos, num certo show que foi em São Paulo e cantarolou todas as músicas. Ou estaria ainda presa nos pontos das suas belas tapeçarias. Fiando… milenarmente, o desfecho da vida de outras mulheres. Mulheres sofridas da sua família. Da sua mãe. Ou ainda dos arquétipos daquelas que foram trancafiadas um dia nos seus papéis. Ou se mudou de vez pra casa da Rua Amapá, quando todos ainda estavam em casa.
Manga rosa no quintal e os livros de um filho guardados em caixotes esperando sempre um novo destino. O meu destino. O nosso! Médico nenhum entendia tanta resistência. Fincou o pé, as mãos, e o coração, nessa vida. E de cuidados paliativos seguiu, se despedindo mais que vagarosamente para desespero de cada filho.
E eu, D. Tezinha (que só muito depois soube que era D. Maria Célia), estive a chorar duplamente. A me lembrar do queijo de coalho que todo domingo, o seu filho Juca levava pra Senhora tomar com café. Amor, essa palavra de luxo! Saudades sempre.