Ah, esses meus delírios crônicos! Verdadeiros bálsamos que me salvam das agonias da existência. Vivo um tipo de luta permanente do bem contra o lau. Sou um tanto clown. Eis a principal fonte de inspiração das minhas galhofas. Nunca rio ou faço chacota de ninguém, pois tenho muito a rir de mim mesmo. Gosto de gente que ri. Só não gosto de gente perfeita. Gente que não dá defeito. Às vezes até gosto. Mas gosto desgostando e sobretudo, não confio.
Lembro de um certo violoncelista. Artista incrível, grande compositor e arranjador. Certa vez se mostrou muito zangado comigo. Disse que eu publicava muitos “gracejos” no Facebook e que eu era poeta e poesia é “coisa séria”. Quase me sufoca com suas delicadezas bárbaras. Aliás, ele é bem nervoso. Sim, respondi: “publicava, publico e publicarei gracejos.” Ele estava coberto de razão quanto aos gracejos. Alguns sem graça, é verdade. Mas dizer que poesia é “coisa séria” ferveu meu sangue latino.
Ora, a poesia nunca se revela. Apenas sugere. Sempre invisível, costuma acenar mais facilmente quando o poeta é um brincante. Passaram-se alguns dias e o cabra de peia insistia em me ofender diariamente. Decidi não me defender. Para mim, estava perdoado por sua arte grandiosa. Esse entrou definitivamente para a história da minha vida e nem sonha. Se tornou inesquecível. Foi meu primeiro bloqueio. Não deu outra, calei para ele e disse para mim mesmo: “poesia é “coisa séria”, um canário”!
Tempos depois nos encontramos pelas ruas da cidade. Veio se aproximando todo desconfiado, sorriso amarelo. “Poxa, você me bloqueou?”. “Sim, bloqueei”, respondi. Dei um baita abraço no cabra, pois nada impedia o afeto. De alguma forma gosto daquele serumaninho desmantelado, culto e grosso, mas cheio de talento. Inteligente sempre, mas nas redes sociais apenas um boy doido com doutorado no Talibã. Podemos até trocar farpas numa mesa de bar. Mas nunca nas minhas redes sociais.
As barbaridades ditas para justificar seus conceitos nunca me fizeram mudar de ideia. Não vale a pena uma troca de ofensas. Aliás, pude perdoá-lo de imediato. Continuo a admirá-lo. Todavia, nunca mais quis conversa com o cabra no Facebook. Cada vez que nos encontramos ele dá um jeito de se aproximar. Parece se sentir culpado. Sinto que ganhei a guerra sem disparar um tiro. Deixa estar como está. Não tenho maturidade suficiente para uma relação virtual virulenta, mesmo quando o afeto triunfa.
Lembro ainda de uma ex-namorada. Aquela que nunca amei, mas me ensinou a amar Voltaire. De tão intolerante e agressiva provocou em mim a leitura afobada de “Tratado sobre a tolerância”. Aliás, um bom livro. Motivo pelo qual ainda hoje quando nos encontramos revelo o quanto sou grato ao seu jeito estúpido de ser. O que provoca gargalhadas na bonita. Se imagino o motivo da graça? Lógico que imagino, mas jamais revelaria as intimidades inexplicáveis de relações perdidas.
Não tolerar intolerantes é uma urgência, penso. “Não faz o que não gostarias que te fizessem”, lembra Voltaire. Em relação ao que acontece nas redes sociais, ninguém está obrigado a ter afinidade ou sintonia com quem quer que seja. Todavia, discordar é um direito. Às vezes, a arte da rigidez e do confronto. Meu saudoso e querido amigo Walter Galvão tinha uma frase genial sobre isso. Segundo ele, “é discordando que a gente se entende”. Nenhuma verdade é absoluta, mas esta frase é uma boa provocação.
Para alguns profissionais da treta, melhor que defender as próprias ideias é desqualificar o adversário. Não atribuam isso ao pobre do Arthur. Sim, o Arthur Schopenhauer. Ele escreveu “A arte de ter razão”, mas creio que teve suas ideias distorcidas por um certo astrólogo brasileiro falecido nos Estados Unidos. Enfim, alguns embates não fazem falta. Melhor ler Voltaire, Schopenhauer ou Epicuro. Aliás, para Epicuro, “os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.”