Foi simples assim. Um certo dia, não faz muito tempo, dei-me conta, demo-nos conta - os pessoenses, os turistas, os moradores do bairro - de que simplesmente o mar do Cabo Branco tinha sumido. E o mais estranho é que sabíamos todos que ele estava lá, no lugar de sempre, mas não o víamos, não conseguíamos vê-lo. Fantasia? Pesadelo? Não. Apenas a velha e sempre surpreendente realidade brasileira.
Explicando: quem passa de carro e até mesmo a pé por boa parte da orla do Cabo Branco simplesmente não consegue ver o mar. Ele está ali, a poucos metros, mas encoberto por inúmeras barracas infectas, feias e poluentes, que se enfileiram, uma ao lado da outra, fechando completamente a linda paisagem para os olhos dos nativos e dos turistas, num espetáculo de irresponsabilidade urbanística e de atentado ao bom senso nunca visto aqui e alhures. Verdadeira coisa de louco.
O mar de nossas praias, de reconhecida beleza, é praticamente nossa maior atração turística, como aliás é o mar das capitais litorâneas do Nordeste. Como então se permitir a injustificável obstrução da vista desse patrimônio social para atender os interesses particulares de poucos comerciantes? Fazer isso é deliberadamente matar nossa galinha dos ovos de ouro, deixando a cidade – e nós todos – sem a ave e sem os seus produtos, tal como acontece na fábula célebre.
O prejuízo, claro, é dos pessoenses, da cidade e dos turistas, todos privados da vista do mar e de tudo de bom que decorreria se a paisagem estivesse, como deveria estar, desimpedida e livre para os olhos de todos. Perde-se então a linda vista, perde-se a qualidade de vida, perdem-se os turistas e perdem-se os impostos, todo mundo perde, menos uma dúzia de barraqueiros, protegidos não se sabe por quem, os quais simplesmente se apropriaram da orla cabobranquense e da vista do respectivo mar, como se fossem proprietários exclusivos e irresponsáveis de um dos mais belos e valorizados trechos de nosso litoral.
O jornalista Petrônio Souto, aqui mesmo neste blog, já abordou, de forma mais talentosa, esse verdadeiro drama urbano. Ele que, como eu, reside no Cabo Branco, tendo, portanto, conhecimento de causa do assunto, sofredor que é, diariamente, na carne e nos olhos, desse crime de lesa-comunidade, exposto à luz do dia e da lua, impunemente, como se não fosse nada e a cidade, que é de todos, fosse terra de ninguém, ou melhor, pertencesse aos barraqueiros usurpadores da paisagem. Mas como se duvida muito, e com razão, que providências sejam tomadas, concluí que seria bom voltar ao tema, para mostrar aos eventuais leitores, mais uma vez, o quanto é séria essa situação que nos atinge e fere a todos.
Bem sei que os proprietários das barracas precisam trabalhar e ganhar o pão de cada dia. Tudo bem. Mas não com o sacrifício da cidade e dos demais cidadãos. Porque aí o interesse privado de alguns poucos estaria prevalecendo sobre o interesse público, e isso simplesmente não é possível, nem aqui e nem em qualquer lugar do mundo. Que se arranje então uma solução racional, civilizada e conciliadora para o problema, mas que se desobstrua imediatamente a paisagem do Cabo Branco, para o bem de todos e a felicidade geral da urbe.
O Rio de Janeiro está vivendo atualmente problema parecido com o nosso na orla da Barra da Tijuca, zona nobre do litoral carioca. Lá, segundo o cronista Joaquim Ferreira dos Santos, do jornal O Globo, a ocupação predatória dos quiosques à beira mar está simplesmente fechando a vista marítima para quem passa de carro ou passeia a pé naquela praia. Sem falar na sujeira, na poluição visual e sanitária, no acintoso desrespeito às normas municipais e outros absurdos mais, os quais vieram à tona recentemente com o escabroso assassinato do jovem congolês naquela área, de tanta repercussão nacional e internacional. Em Copacabana, Ipanema e Leblon, também existem quiosques na calçada à beira-mar, mas são mais disciplinados, mais espaçados, mais bonitos e limitam-se a vender apenas água de coco e alguns outros poucos itens, não são restaurantes improvisados, como ocorre aqui em João Pessoa.
E o pior é que essas barracas cabobranquenses vivem em permanente processo de expansão, em metástase, estão continuamente crescendo de tamanho, invadindo a areia, sem que a fiscalização municipal se pronuncie, ao contrário do que ocorre em nossas casas, onde uma simples poda de uma árvore atrai logo a visita de fiscais rigorosos. As barracas se expandem sem nenhuma uniformidade arquitetônica e de materiais, cada uma do seu jeito, gerando uma barafunda visual de mau gosto, inacreditável e inadmissível.
A Prefeitura anunciou o alargamento da faixa de areia da praia de Manaíra. Muito bem. Obra grande, demorada e cara. Mais barata e mais rápida será a retirada das barracas do Cabo Branco, com resultados imediatos e imensos. Com a palavra, o alcaide, os vereadores, os defensores do meio ambiente, o Ministério Público, os meios de comunicação, o CREA, a OAB, sei lá mais quem.
O que nós, pessoenses, queremos e até exigimos é uma coisa muito simples: a devolução da vista do mar cabobranquense que já está lá, pronta para ser desfrutada por todos – e que às nossas vistas nos roubaram.