Muitos estudiosos da literatura brasileira – do quilate de Otto Maria Carpeaux, José Guilherme Merquior, Luís Augusto Fischer e José Castello – dão a entender, curiosamente, em algumas de suas análises, que o nosso país parece ter grande afinidade com gêneros artísticos menores ou, pelo menos, considerados pela crítica como menores, tais como a crônica e a canção popular, em detrimento de outros tidos como maiores, como o romance e a sinfonia. Isso ficou mais evidente após a explosão da cultura de massa em nosso mercado moderno do século XX: corria
a época do surgimento e aperfeiçoamento dos grandes jornais, do rádio, da televisão e, já mais para o final do centenário passado, da internet.
Por óbvio não se discute: também há grandes romances e grande música erudita em nossa cepa cultural ao longo da história – Machado e Villa-Lobos que o digam. Ocorre, contudo, que é nos chamados gêneros menores que se sobressai o talento nacional, tanto em quantidade como em qualidade, como se tivéssemos mais gosto para a caricatura do que para o retrato, mais aptidão para o consumo efêmero e rápido do que para a paciente fruição de uma obra mais longa. Talvez sejamos mais burgueses que aristocráticos.
E não é à toa que, quando se pensa em crônica no século XX, de pronto nos vem à cabeça e aos sentidos a figura emblemática do capixaba de Cachoeiro do Itapemirim Rubem Braga (1913-1990). Foi ele que, nos anos 1930, deu à crônica tupiniquim os contornos e sabores universais de literatura. Seu primeiro livro, O conde e o passarinho, é um marco da moderna crônica brasileira. Interessante é que, depois, ele tão somente canalizou toda a sua criatividade e energia para esse tipo de microcosmo narrativo em toda a sua carreira literária.
Nunca ousou um livro de contos, uma novela, um romance, enfim, uma narrativa de maior fôlego. Entretanto, com extremo lirismo e sensibilidade, aliados a um delicado senso de humor irônico genuinamente nacional e uma simplicidade e desprendimento linguísticos, Rubem Braga é um mestre da crônica brasileira, um especialista nato neste terreno tênue e escorregadio. Poucos autores contemporâneos dele, em seus melhores momentos, ombreiam com o seu estilo, como Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Manuel Bandeira ou Ferreira Gullar.
Jornalista de profissão, também foi diplomata e editor. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi correspondente dos Diários Associados no front italiano. Juntamente com outros dois craques dos textos curtos, os já citados Otto Lara e Sabino, ambos mineiros, fundou a Editora Sabiá, que teve grande relevância na história editorial de nosso país. Escreveria, ainda, os clássicos Ai de ti, Copacabana e A traição das elegantes, sempre com o estilo irretocavelmente claro, conciso, com fino humor e ironia ambivalente. Por ser um dos escritores que mais bem captaram nosso caráter, ler e reler Rubem Braga é indispensável.