Eram três sítios, um pertinho do outro lá nas brenhas do mundo. Os proprietários, Zé Belarmino, Tião Frozino e Juca Damasceno eram amigos...

O Teodolito e o burrico Salomão

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Eram três sítios, um pertinho do outro lá nas brenhas do mundo. Os proprietários, Zé Belarmino, Tião Frozino e Juca Damasceno eram amigos, vizinhos e compadres. Ali na roça, distantes do que chamamos inapropriadamente de civilização, o que mais sabe se fazer é menino. Daí a prole grande nas três sitiocas. Nossos amigos aí de cima batizavam os filhos um do outro e as esposas, nessa ordem, Dona Noquinha, Dona Ester e Dona Tianinha eram, como não podia deixar de ser, comadres.

Essa proximidade das três famílias tinha suas vantagens. Trabalho duro, onde eram necessários muitos braços, as tarefas eram executadas na modalidade de mutirão. Precisa-se fazer um silo no sítio do compadre
Sec. Cultura SP
Zé Belarmino; então, não dava outra, as famílias se reuniam: os homens no batente e a mulheres só na logística, água fresca e comida para aquele mundão de gente. Café fumegando no bule sobre a chapa quente do fogão, que nessas oportunidades queimava lenha o dia todo. Bolinho de chuva, aqueles à base de farinha de trigo saiam de tempos em tempos para acalmar os estômagos daquela homarada que cumpria suas tarefas soltando pilhérias, falando alto entre sonoras gargalhadas. Dia de mutirão parecia dia de festa.
Fora isso, praticamente só se reuniam nos frios de junho para celebrar os padroeiros. Santo Antônio era o lá de cima que velava pelas terras de Zé Belarmino. João, o outro santo, dava uma forcinha para o Frozino, enquanto Pedro, que tinha a chave do céu, cuidava do sítio do Juca. Eram noites de festa que mereciam até um leitão no rolete. Cachacinha rolava sempre moderadamente: só uma lapadinha para rebater o frio. Era quando os compadres e os quatro ou cinco varões já aprumados esperando para logo bigode e barba, dividiam o fumo e a palha de milho porque nessas noites pitar um cigarrinho com fumo forte era tudo de bom. Depois era só dar uma cusparada no chão de terra batida para mostrar macheza.

Cícero Omena
Viviam suas vidinhas longe das modernidades. Não se importavam com a lida que começava madrugadinha e ia até o urutau soltar seu primeiro pio despedindo-se do Sol. A tarefa começava com a ordenha das vacas caipiras. Antes das primeiras luzes, o carro de boi saída da vacaria de seu Juca e passava pelas outras duas porteiras recolhendo os latões de leite. Ia gemendo pela estradinha que eles mesmo abriram até a via principal, também de terra, por onde passava o caminhão da Cooperativa recolhendo a produção dos sitiantes. A faina só encerrava à tardinha, quando recolhiam a criação. Era assim que viviam, até que um dia…

. Até que um dia apareceram uns homens do governo dizendo que uma estrada ia passar por ali atravessando as três propriedades. Os compadres não gostaram muito da ideia, mas concluíram que brigar com as autoridades não era proveitoso. Acabaram concordando depois de Juca, que era homem de algumas letras, dar uma boa espiada na papelada.

Uma semana depois apareceram em uma comitiva um pouco alterada. Só um dos que vieram a primeira vez, mais um caboclo com uma aparelho estranho na mão (era um teodolito), um outro baixinho e muito simpático, e ainda um mocetão bem vestido que foi logo entabulando conversa, depois de educadamente cumprimentar os maridos e as mulheres, pois elas já estavam querendo saber que história era aquela de rasgar as propriedades.

CPE
— Nós começamos fazendo levantamento topográfico... — O quê? – perguntou Zé Belarmino.

— Vamos fazer as medidas – simplificou o baixinho simpático e o rapaz elegante, o mocetão, retomou o assunto.

— Vamos ficar por uns dias. Mas não se preocupem. Chegamos cedo e voltamos à tardinha. Trazemos nossas refeições. Uma hora ou outra, talvez a gente precise de uma aguinha fresca.

Tudo acertado, no dia seguinte começaram o trabalho. Os três compadres se juntaram para observar a labuta dos intrusos. O que trouxe o aparelho, armou o tripé e ficou observando através de uma geringonça colocada no vértice daquele esqueleto de pirâmide. Dizia alguma coisa e o baixinho simpático anotava em um caderno enquanto o bonitão da turma, o engenheiro, só observava. Numa tarde desceram para um dedo de prosa e Frosino foi perguntando:

— Precisa tudo isso para abrir uma estrada?

— É para escolher o melhor traçado para o leito da rodovia – explicou o engenheiro. - Juca não se conteve.

— Aqui nóis sorta o burrico Salomão do cumpadre Zé. Ele vai mostrando pra gente a picada certa. Nóis marca o caminho. Dispois é só abrir a estada, - o engenheiro, perguntou meio cismado:

— E se o Salomão morrer. Como vocês fariam?

— Aí, nóis ia ter que contratar um engenheiro – explicaram.

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  1. Boas lembranças 👏👏👏👏🙏🙏🙏🙏

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  2. Ótima narrativa..meu caro Luis Augusto Paiva!! essas histórias vindas do nosso interior Brasileiro,,, são deliciosas!!!
    Paulo Roberto Rocha

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