Frades me remetem a uma lembrança de tempos bem distantes, lá nos meus verdes anos, quando assisti ao filme “Marcelino Pão e Vinho”. Aquelas figuras gentis que acolheram um garoto órfão, despertam, sempre que me lembro deles, uma sensação de benquerença. Essa película tem um grande poder sobre as fraqueza que me habitam. Marcelino nada mais era do que uma lenda.
O Frei Luís relata a uma menina doente e a seus pais a história de um menino, ainda bebê, deixado à porta do mosteiro. Com dificuldades de conseguir adoção, o garoto passa a conviver com os religiosos. Marcelino, interpretado por Pablito Calvo (1948- 2000), à medida que vai crescendo se transforma em um garoto serelepe e afetuoso. Suas traquinagens só fazem crescer a estima que os frades tinham por ele. O final do filme é triste e gente de coração mole como eu, não resiste, chora.
Também me lembro do reclame de uma conhecida marca de achocolatados em que aparecem dois frades se deliciando diante uma panela, provavelmente cheia do quê? De chocolate, é claro. Ambos parecem estar fazendo aquilo escondido dos superiores, daí minha afeição pelas franciscanas figuras.
Campos do Jordão, terra onde está registrado meu nascimento, lá na minha infância conheci o Frei Orestes, um frade que espalhou caridade e assistiu muita gente carente lá nas montanhas. Por aqui no Nordeste tivemos do Frei Damião, muito querido pelas mesmas razões. Só lembrando de que “frei” é o título atribuído aos “frades”.
Não entendo bem a hierarquia eclesiástica. Parece-me que frade não reza missa e sempre os vi como criaturas menos austeras do que os padres. Lá naqueles tempos idos, eu achava que padre passava sermão e frades davam conselhos. Não sei se é assim, mas eu achava que era. Tudo isso para chegar ao meu frade.
O meu frei não chega a vinte centímetros de altura, não é de carne e osso, mas de uma liga metálica de estanho e mais algumas coisas. É gordinho, barrigudo, careca, com as mãos sobre o abdome com dedos entrelaçados. Às mãos está presa uma correntinha que vai até um pequeno sino. É só a gente puxar a correntinha que o sino toca. Batizei meu frade de Agenor porque é um nome muito apropriado. Frei Agenor! Não é pimpão?
Frei Agenor tem uma participação muito marcante em minha vida. Desde que o adquiri quando morei em Bauru. É ele quem me autoriza pequenas contravenções. Vou explicar.
Dizem (eu disse, dizem!!!) que quando entramos num segundo casamento, só o que muda é o endereço. Discordo em número gênero e grau. A ex e a atual são diferentes sim, mas são complementares. Se uma reclamava de você chegar tarde, a outra reclama de você sair cedo. Não é assim? Pois bem, no meu caso quem me ajuda a sair desses embaraços é o meu querido Frei Agenor.
Aquele despotismo de saias que divide comigo os travesseiros e as contas de água e luz, bem como a que fez isso lá nos “antigamentes” adotaram como verdadeira a premissa de que quem começa a beber antes da dez é alcóolatra. Pode uma coisa dessas? Para evitar confrontos, obedeço! Então, nos fins de semanas, estão me esperando aquelas cervejinhas na temperatura ideal. Os trabalhos têm horário para começar: dez horas! É ai que entra o Frei Agenor.
Chegada a “hora grande” vou até a varanda, abro a primeira latinha e Frei Agenor toca o sino. Então vocês nem vão acreditar, mas parece que o fradezinho se humaniza e me olha com aquela ternura que só os frades têm: Vai meu filho, vai com a minha benção e tome umas por mim.
Há aqui em casa “quem” não goste daquele som abençoado quando Frei Agenor concede-me suas benção e autorização.
Neste domingo que deveria ter sido de carnaval, mas não foi, Frei Agenor não negou fogo, dez horas em pontinho tocou o sino, me olhou do jeito de sempre e dessa vez exagerou nas recomendações: Vai meu filho, vai com minha benção e põe esse pé na jaca.
O que teria feito meu santo frei recomendar-me que chutasse o balde, tomasse todas? Como é triste um carnaval que não é carnaval. Ele entende isso. E sem cerveja, então? Desculpem-me, escrevo este texto numa segunda-feira que deveria ser de carnaval. Não é, mas para mim é feriado do mesmo jeito. São dez horas, espero que tenham gostado de meu Frei Agenor. Ele vai tocar o sino. Vamos à luta. O resto é silêncio.