Tenha-se em mente estarmos agora numa época em que o típico visual Hippie não fosse ainda familiar para a maioria das pessoas, herdeiras conscientes do linho e do tropical ingleses, daquela indústria que usara e abusara (literalmente) do nosso Algodão Mocó. Em nada a “aparência Hippie”, de Ivo, coincidia com o look “cabeludinho jovem guarda” – uma espécie de janota caipira, começado a infestar a cena diária das cidades brasileiras, pelo recente surgimento da televisão –, e esta era uma das razões pela qual o personagem em questão atraía olhares tão logo saísse às ruas. O visual Ivo “Bitch”, tal como carinhosamente o chamavam os de sua geração, deixava alguns populares intrigados, chegando a neles despertar certa comichão em observá-lo mais de perto.
Bem, Carl Jung nos deixou ha 61 anos, Porém seus fundamentos de Psicologia Analítica que englobam a teoria dos Arquétipos e do Inconsciente Coletivo, entre outras não menos importantes, de alguma maneira nos fornecem uma via de entendimento para aquela curiosidade popular em cima de Ivo. De tipo puramente imagética, e que, numa forma de dizer, terminava por deixa-los imersos em confusão após checarem o personagem em questão com seu acervo próprio de imagens arquetípicas.
Arrisco dizer que, ao examinarem Ivo mais de perto, corressem o risco de embaralhar o acervo pessoal, não sabendo, ao final, dizer pra si mesmos (até porque lhes faltassem palavras) se o que tinham visto era a encarnação de um Filósofo Sufi da Índia, de um Profeta Apocalíptico da Antiga Judéia, de um Andarilho Nômade da Planície Mongólica, de um Monge Trapista Quanto Ermitão dos Rochedos da Bulgária, de um Asceta Persa Acabado de Nutrir-se de uma Colméia (e por isso aquele bucho ligeiramente pronunciado), ou de um Líder Herege e Penitente Arretirante da Seca, num manancial de figuras de há muito alojadas no Inconsciente Coletivo. Tudo, menos o que IVO pretendia de fato representar: um Beatnik antecessor do Movimento Hippie, aquele biótipo social que exercera a primeira ascendência comportamental para aspirações libertárias de uma geração ocidental inteira – apesar de que nosso personagem fosse mais reconhecido, numa definição simplificada, como o primeiro protótipo de hippie paraibano.
Apesar de avesso às estradas, era relativamente culto e conhecedor de línguas, já que, segundo relato de quem o conheceu de perto, gostava de cantar músicas estrangeiras em versão original e tinha especial predileção pelo inglês, tendo sido um dos primeiros alunos da Escola de Cultura Inglesa, na capital paraibana. Certamente por isto, cunhou um dia pra si mesmo um curioso epíteto, formalmente um silogismo que, por muito pouco não se torna mágica premonição, bastando para tanto que tivesse trocado o segundo T do termo por um N: “HIPPIE INTERTECTATION”.
A título de esclarecimento para os que não chegaram a vivenciar aqueles anos formatadores das “novas cabeças pensantes”, o movimento Beatnik foi talvez a primeira voga comportamental nascida exclusivamente da indústria cinematográfica (excluindo aqui o imenso cardápio cosmético das chamada Divas do cinema, cujos arranjos estéticos, nesta altura, já haviam transbordado para os salões sociais), e era uma espécie de descendente por adoção daquele espírito inconformista que, nos anos subsequentes ao esforço americano para sair da Grande Depressão do início do século XX, tornara-se uma forte tendência engajada do diretor Elia Kazan, cuja estilística, temática e tendência ideológica nascera diretamente da literatura de cunho social de um John Steinbeck (Premio Nobel de 1962), para citar apenas um dos nomes desse canal de abordagem cinematográfica já antes cristalizado pelas lentes do grande John Ford no filme As Vinhas da Ira, do mesmo Steinbeck. Vejamos uma sinopse desse filme:
“O clã Joad está à procura de uma vida melhor na Califórnia. Depois que sua seca fazenda é apreendida pelo banco, a família, liderada pelo filho Tom (Henry Fonda) recém libertado condicionalmente, carrega um caminhão e vai para o Oeste. Na estrada, assolada por dificuldades, os Joad encontram dezenas de outras famílias que fazem o mesmo trajeto e têm o mesmo sonho. Uma vez na Califórnia, no entanto, os Joad logo percebem que a terra prometida não é bem o que eles esperavam.”
A reação do stablishment americano ao cinema socialmente engajado não tardaria (bem como à outras orientações esquerdistas no mundo das Artes daquele país, mas somente depois de atravessada a vau da forte recessão), culminando na irrupção do Macarthismo, que atacou com absoluta prioridade qualquer vertente do cinema que abordasse questões de natureza política. O cinema americano foi assim “enquadrado” por uma politica de “caça aos comunistas”, o que aconteceu somente depois da América conseguir a proeza de sair da recessão usando recursos heterodoxos de politica social, como financiar pequenos produtores do campo com juros subsidiados pelo Estado. Agora, porém, o drama pós-crise que os pobres viviam não deveria ser assunto de um meio poderoso de entertainment como o cinema, a esta altura cônscio de seu importante papel na INDÚSTRIA CULTURAL. Restava um pequeno problema.
Foi esse um tempo em que a indústria cinematográfica ensaiava ainda seus primeiros passos na rota das grandes superproduções, não se constituindo em bom negócio abandonar o poder atrativo exercido pelos novos astros que o cinema de abordagem social havia produzido, como Marlon Brando (Sindicato de Ladrões, direção de Elia Kazan, Oscar de 1954) e James Dean (Vidas Amargas, 1955, direção de Elia Kazan).
O remédio para o impasse não foi outro: se não havia como debelar de vez aquele inconformismo despertado nas novas gerações, o jeito era cultuá-lo, porem de uma forma adaptada aos interesses do sistema, quando, para isto foi o bastante mudar o enfoque. Uma vez domado, ficou fácil para um veiculo de massas como o cinema criar novos parâmetros para a sempiterna revolta juvenil: Para o mundo inteiro, ou para o que fosse possível de alcançar pelo cinema num mundo então dividido pela guerra fria, descia agora das telonas o movimento Beatnik. Aquele!
Tal qual a anterior vertente social do cinema americano, esta nova tendência também teria seu batismo em um Jordão literário (a indústria gráfica e seus dois grandes produtos, o Jornal e o Livro, estavam perdendo terreno para o cinema dentro da indústria cultural, e mais pronunciadamente o livro, uma fonte de conteúdos que não podia ser ainda alijada completamente dos processos midiáticos de condução das massas): as obras de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e outros forneciam um inconformismo difuso, que abandonava as aglomerações urbanas para se volatilizar no horizonte inabraçável das estradas, permitindo que aquela pulsão social dos americanos ressurgisse numa nova forma desviada do inconformismo coletivo para esta mais recente, de natureza individual.
O que se tinha agora era um tipo de revolta meramente existencial contra o sistema. Que não incomodava, por não dispor de nome, muito menos de lugar, já que os protagonistas viviam montados em motocicletas que engoliam estradas com único objetivo de sentir o vento nas orelhas. Vieram então os filmes do tipo Easy Rider (classificado em um novo gênero, o road movie, com Peter Fonda e Jack Nicholson) onde a todo instante o pobre espectador mentalizaria a palavra Liberdade, soprada ininterrupta pelo vento das estradas (rugido de motocicleta e musica de Rock’n’roll completavam a trilha sonora de diálogos quase inexistentes). Coincidentemente, uma palavra-chave da narrativa americana na guerra de propaganda contra a URSS, e por isso deliberadamente acatada pelos estrategistas americanos na Guerra-Fria 2.0, pós 2ª Grande Guerra.
Mas, ao que parecia, a saga da Famiglia Corleone tinha chegado na Rua Visconde de Pelotas, centro da capital paraibana, mirando em dois alvos principais, que fossem estes:
1
insuflar a imaginação dos frequentadores assíduos dos 2 cinemas (Municipal e Plaza) mais frequentados do centro; 2
valorizar ao máximo a notícia brotada da mente fertilíssima de Kardec – capaz, entre outras coisas, e segundo o folclore local, de ser aquele mágico vendedor que tinha achado compradores para o impossível: as encostas verticais das Pontas de Cabo Branco e Seixas.Por outro lado, da prodigiosa mentalidade vigente à época, não tardaria a surgir uma nova, porém complementar notícia sobre o Hotel Tambaú, que, pelo tanto de peculiaridades inerentes ao projeto, muitos acreditavam ter sido concebido pelo sonho ambicioso de um marco do turismo internacional. Planejado para essa nova latitude tropical, o Nordeste brasileiro, o recente complemento informativo vinha acrescentar para essa estrutura hoteleira, acreditem, nada mais nada menos que um... Cassino!
Mas o final das obras se aproximava, e à medida que o grande dia da inauguração tornava-se iminente, aquela nova e surpreendente previsão soou para grande deslumbramento da rapaziada de sempre: a de que o famoso intérprete de Strangers In The Night , estava chegando com a específica missão de fazer girar pela primeira vez a grande roleta do cassino que, apostavam nisso agora! serviria de chamariz para celebridades do mundo inteiro, num tempo em que a então e ainda madorrenta Cidade das Acácias, dormia sonhando com latitudes mais agitadas, embora, quem sabe, e dali por diante, muitas mudanças pudessem doravante ser anunciadas para futuro próximo, quando parte considerável de seus crédulos habitantes poderia finalmente descansar a luneta através da qual mantinha os olhos pregados na Europa, e volver os olhos para seu entorno, aí inclusos alguns bairros de periferia como Alto Róger, ou ainda as Beiras-Molhadas de Mandacaru e de Cruz das Armas, mesmo que continuasse indiferente às questões interioranas do Estado, com suas eterna carência nas áreas de educação e saúde; a imensa falta de infraestrutura energética e hídrica etc.
A obra trazia a assinatura do arquiteto carioca Sérgio Bernardes (o mesmo que, anos depois assinaria o projeto do Espaço Cultural José Lins do Rego, tido durante três décadas como o maior do mundo em sua especificidade, superando o Georges Pompidou, de Paris, e sendo destronado apenas recentemente pelo colossal Centro Nacional de Artes Kaohsiung, em Taiwan), e embora a essa altura não se soubesse de certeza quem estava por trás da construção do Hotel, as suspeitas recaiam sobre o nome do governador que, na década passada, dera início à obra: João Agripino, um homem de gênio difícil mesmo para os círculos militares que, com mão-de-ferro controlavam o país. Na verdade, esse projeto arquitetônico chegava rompendo com todos os parâmetros para régulo de construtos na beira-mar. Eis aqui uma ligeira súmula de seus pecados:
▪ violava o distanciamento de 50 metros pós areia da praia;
▪ invadia o espaço litorâneo concebido exclusivamente para fluxo e refluxo das marés;
▪ aboletara-se em terreno sob jurisdição exclusiva da Marinha.
▪ invadia o espaço litorâneo concebido exclusivamente para fluxo e refluxo das marés;
▪ aboletara-se em terreno sob jurisdição exclusiva da Marinha.
Teorias conspiratórias? Estas não paravam. Concebido em moldes internacionais, a instalação do aventado cassino visava suprir a perda que as máfias do jogo sediadas em Las Vegas (EUA) haviam amargado desde a Revolução Cubana, que acarretou o fechamento de suas casas de jogos em Havana, até então um paraíso da jogatina que chegara a rivalizar com Monte Carlo e seus 3 grandes cassinos cercados de hotéis de Luxo. Por sua vez, o novo cassino brasileiro (e paraibano!), pra arrebentar de vez com a boca do balão, viria já instalado em um hotel de luxo.