Iniciadas as fundações em 1966, e ao longo de seus 4 anos de edificação, a misteriosa construção que brotava das areias da praia, previame...

Direto da Telona (I)

Iniciadas as fundações em 1966, e ao longo de seus 4 anos de edificação, a misteriosa construção que brotava das areias da praia, previamente batizada de Hotel Tambaú, já nascia fadada aos buchichos e meias-bocas próprios do ambiente baita repressivo que vigeu no período militar pós-64. Em meio ao silêncio de ambientalistas militantes como Lauro Xavier e Hermano José Guedes, e à socapa das várias organizações ambientalistas que até então haviam conseguido proteger reservas florestais como a Mata do Buraquinho, e que, entre outras lutas memoráveis, haveria depois de conseguir marcar golaços decisivos como suspender a Caça à Baleia, em Costinha - PB, um burburinho não passava despercebido, começando a correr os 4 cantos.

A engenhosidade oral que começava a circular era digna de ninguém menos que Alan Kardec (personagem popular bastante conhecido nos anos ’70 – e xará de batismo do famoso francês que trouxe para o Brasil a doutrina espírita), ainda um jovem chegando para os seus 30 anos, mas já prematuramente alçado ao panteão folclórico desta que um dia, apesar do tamanho reduzido, foi a mais fértil, senão a mais opulenta e insurrecta capitania do Terra Brasilis. Kardec tornar-se-ia depois uma inegável figura mítica da cidade que havia nascido no epicentro da mais impiedosa exploração colonialista – a essa altura começando a agitar-se em seu ainda pequeno porte de capital da Paraíba.

Suplan (PB)
Desde a adolescência do estudante sapeca que sempre foi, Alan viera acostumando-se a violar os estreitos limites da mentalidade conterrânea e contemporânea, constituída em sua maioria por filhos e netos de antepassados culturalmente marcados de compreensível tendência conservadora, uma vez que majoritariamente educados, de séculos, por freiras e frades de ordens católico-portuguesas. Mas nada disso impediria que, entre um empreendimento e outro, todos de natureza surpreendente, o garoto Alan já se destacasse de seus pares, como quando intentou organizar uma equipe de escoteiros cuja missão precípua seria encontrar a saída do túnel que, segundo uma das mais caras lendas locais, ligava o Convento São Francisco ao Porto de Cabedelo, sendo demovido de tal empreitada por injunção da própria autoridade eclesial que habita o Palácio do Bispo, no centro da cidade.

Como se não bastasse ter nascido dotado de fascinação pessoal por tudo quanto nos pode este mundo transmitir de miraculoso, mágico e fantástico – e de preferência quando essa adjetivação recaisse sobre fenômenos ocultados do saber cientifico ou popular –, o jovem Kardec viera ao mundo com uma verve dotada de grande poder de convencimento, sem falar na, às vezes sábia prudência que o levava a escolher criteriosamente seus canais comunicantes com a sociedade daquela época. Mas agora, bastante crescidinho naquele final de anos sessenta, divertia-se o jovem Alan em soprar seu alento criativo pelos caniços da mística local, e, de maneira surpreendente, inolvidável mesmo, o grande protagonista surgido para a mais nova ficção Kardecista era ninguém menos que o cantor ítalo-americano Francis Albert Sinatra.

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Aí por meados da construção do Hotel, ao tempo em que a classe media mais abastada começava a ensaiar os primeiros vôos em direção à orla marítima, passando antes pelo território de transição que foi o Bairro dos Estados (iniciava-se ali a segunda, ou terceira grande transição urbana da capital paraibana, quando o novo deslocamento residencial da elite social, basicamente motivado por aspirações de distinção social, desta vez era possível graças ao régio financiamento em larga escala de residências suntuosas para as classes médias e média-alta, alavancado por uma ditadura militar que perseguia um completo aliciamento delas, para tanto não hesitando em lançar mão dos recursos do FGTS, pertencentes por lei e direito à classe trabalhadora. Gastos estes, amplamente compensados nas contas do governo pelo arrocho salarial previamente decretado para essa mesma classe trabalhadora), Alan havia conseguido o prodígio de transformar em voz corrente a versão de que Sinatra, em sua primeira visita a um país da América do Sul, viria primeiramente à Paraíba (!), e o faria exclusivamente para a inauguração da singular obra arquitetônica conhecida como Hotel Tambau, que já brotava trazendo a bem justificada fama de uma concepção avançada para a época. E isto, por duas razões básicas:

1) avanço construtivo: design similar a uma nave futurista do tipo disco-voador: redondo com bordas inclinadas. 2) avanço sobre o mar: com a elevação da maré, o quadrante leste da base de seu diâmetro fica encoberto pelas águas do mar.

Aquele foi um tempo em que o ambiente das praias começava, lenta e timidamente ainda, a deixar de ser um sítio exclusivo para férias e veraneio de uma pequena parcela de moradores da cidade, e, vagamente,
PMJP
começava a ser ocupado por uma ou outra construção mais sólida e definitiva (enquanto o despovoamento crescente do centro da cidade prosseguia na direção do Bairro dos Estados, e, posteriormente, de algumas adjacências complementares, estas numa forma já mais barateada e popular, através do que se convencionou chamar de Conjunto Habitacional, como o Conjunto Pedro Gondim, por ex. Estes anexos habitacionais visavam, sobretudo, beneficiar retardatários e periféricos aliados do sistema dominante, como militares, executivos e empregados do sistema financeiro. Começava-se também ali, a lamentável exclusão de benefícios sociais para a importantíssima categoria dos professores da rede pública, que viriam ainda a ter, por brevíssimo período, um inesperado Revenant de possibilidades no governo Tarcisio Burity – 1 ).

Porém aquele novo zoneamento urbano das praias nem sequer dispunha de locais onde seus escassos habitantes, à guiza de convívio social, pudessem trocar informações e comentários sobre o cotidiano, embora neste precioso sentido, estivesse iniciando-se timidamente naquela que foi sua primeira Ágora Grega: a padaria e o mercado público de Tambau. As Ágoras, então, e pra valer, grassavam em lugares tradicionais como Ponto de Cem Réis, Teatro Santa Rosa, Catedral & Igrejas, Pavilhão do Chá, filas e salas de cinemas, Cassino da Lagoa, Bar e Restaurante Bambu, Flor da Paraíba, salões de barbearia, Ruas de Comercio, Assembleias de políticos, Palácio do Governo, Faculdade de Direito, Tribunal de Justiça, Liceu de Artes & Ofícios, Livrarias, clubes sociais, etc. Todas situadas entre os entornos da Lagoa e os limites do Teatro Santa Rosa. Lembrando que o primeiro reduto citadino da Paraíba fora o velho Varadouro, há tempos em situação de semiabandono.

O hotel encontrava-se em processo de construção no ponto mais central da urbs litorânea, bem defronte àquela padaria e mercado público, e pertencia à Rede Tropical de Hotéis, segundo comentários uma decantada potência do ramo hoteleiro internacional. Uma gigante da qual – dizia-se mais – o famoso intérprete de My Way despontava como um dos principais acionistas. O que ninguém dizia era que todas essas informações, naturalmente sigilosas caso dispusessem de algum fundamento, tinham sido trazidas a publico pela livre e bastante associativa imaginação de Alan Kardec...

Suplan
Não lembro de ninguém se dando ao trabalho de indagar as origens de tão abrupto, surpreendente enredo, uma vez que nada disso se deixara propalar pelas mídias disponíveis da época: jornal, rádio ou televisão. Mas dava pra perceber – e como dava! – o indisfarçável orgulho exultante nos jovens de classe media e média-baixa que frequentavam a Sede Social do Clube Cabo Branco na Av. Duque de Caxias com Rua Peregrino de Carvalho. É que, simplesmente, não faziam a menor questão em exibir a ponta de orgulho por qualquer tipo de acesso às histórias que, de preferência, envolvessem fama e fortunas alheias. Recordo também que, dessas histórias, volta e meia, emergia o nome de um filho de ex-prefeito da cidade. Chamemo-lo D..

Ainda bem jovem, D herdara do pai um pedaço de terra no Rio Grande do Norte, e, pra sua sorte, uma empresa de mineração havia descoberto, por iniciativa própria, uma mina de scheelita na sua pequena herdade. A partir dali, e confiante em sua boa estrela, o jovem começou uma busca por negócios de toda sorte, sempre visando empregar as avantajadas quantias que recebia como royalties daquela mesma empresa que passara a deter a concessão extrativa da mina.

As cifras envolvidas nos variados negócios criados por um moço jovem como D,, principalmente nos ramos imobiliários, passaram a permear a imaginação dos filhos de classe média, rapazes de mente mais folgada, por fazerem seus estudos,
IPHAEP
geralmente em escolas privadas, menos rigorosas com o alunado que os colégios públicos. Tinha-se como um fato absolutamente naturalizado que, enquanto estudantes matriculados em escolas públicas viam-se o ano inteiro obrigados a se concentrar nos estudos para não perder o ano (duas reprovações seguidas eram o bastante para colocar o estudante na lista negra das matrículas), aqueles mais folgados da rede privada, podiam gastar seu tempo dando asas à imaginação e à sonhos de riqueza (para alguns dirigentes desse tipo de educandário, o desapego de alguns alunos pelos estudos, além de tolerável, podia deixar de ser visto como um default, passando a ser enxergado como a salutar promessa de uma granazinha a mais no final do ano). Por isto, não raro estes jovens gazeavam as aulas da tarde, para dividir seu tempo entre a casa de discos Woodstock, a sede do Clube Cabo Branco ou as matinês dos cinemas. Esses 3 endereços distavam a poucos metros do outro.

Os jovens frequentadores dos tabuleiros de gamão, damas e xadrez da Sede Social do Clube, em frente ao estratégico Cine Rex, contavam de,D, daquele jovem endinheirado, ter ele um dia entrado em uma das maiores lojas de automóveis de São Paulo, e, meio que distraidamente, perguntado ao atendente que, silenciosamente o acompanhara loja à dentro – movido mais pela suspeição que por outro motivo qualquer –, o preço de um grande automóvel importado, de luxo, exibido na vitrine. Com um olhar, o atendente voltou a medir de cima para baixo o moço de calças jeans, cabelos desgrenhados e recém saído da adolescência, e, como já viesse desconfiado, o aconselhou a buscar veículos mais em conta, e até usados, já que haviam muitas variedades destes no local. Foi o suficiente para despertar em D a súbita necessidade de ser mais incisivo:

– Tudo bem. Vamos ver, então. Mas, antes que eu me esqueça, coloque logo uma placa de vendido nesse da vitrine e o separe pra mim – Teria dito então ao incrédulo vendedor.

Mas agora os disse-que-disse emanantes das primeiras colunas de concreto armado que pareciam brotar de dentro das águas de Tambau, eram um prato mais que cheio para aqueles eternos comentadores de riqueza, tomados que
Suplan (PB)
estavam pelas notícias que lhes chegavam revestidas de uma riqueza de detalhes muitíssimo bem-vinda, sem falar na chiquérrima sofisticação nela contida.

Por outro lado, o recente sucesso do filme O Poderoso Chefão, esmerada superprodução Hollywoodiana, contava os meandros das ligações de Frank (olha a intimidade!) com a Máfia Italiana, salientando o poder decisório desta sobre a carreira daquele. Fictícios ou reais, esse tipo de futrica que aportara das telas de cinemas locais, contemplava celebridades nova-yorquinas do tipo 2.0, que iam de Marlon Brando a Sinatra, futrica que acabava descendo das telas e ganhando as ruas do centro, sempre debaixo da pauta de apitos do virtuoso guarda de trânsito conhecido por "Apito de Ouro", onde iria se cruzar com veículos bem menores de nossa mitologia local, motor 1.0, como Luciano Wanderley, dono de todos os cinemas, e a quem se dizia também... mafioso! e isto pelo simples fato de ser visto comumente por detrás de grandes pilhas de fichas nas mesas de Pôquer e Pif-Paf do Clube Cabo Branco ! Sem fazer a menor ideia do que ocorria à sua volta, o empresário era vitima de histórias descidas das telas de seus próprios cinemas.

E teve aquele cidadão que, por ser dono da maior frota de táxis da cidade, viu-se, talvez sem saber, protagonista de complôs dignos da família Siciliana, quando dele dizia-se (à boca miúda, claro) que mantinha o monopólio dos taxis às custas de propina para uma organização secreta que dispunha de uma rede de olheiros espalhados pelas principais praças – As ligações secretas da polícia de Nova York com as famílias mafiosas vistas em “O Poderoso Chefão”, pareciam ter contaminado em definitivo a imaginação daqueles jovens, elevando seu grau de fantasia à um nível equiparável talvez a um tipo comum de paranóia social, de maneira que acreditavam, imagine! que os tais informantes a serviço da enorme frota de taxis tinham por objetivo obstruir qualquer tentativa de concorrência por parte de motoristas desavisados.

Sem falar de Ivo Bichara – irmão do futuro governador (biônico) Ivan Bichara –, e que alguns, ainda hoje insistem em considerar o primeiro Hippie Oficial da Paraíba. Famoso pelo desapego às convenções sociais, por seu aspecto em nada convencional ( calvície adiantada, barba de sábio tibetano e rabicho de cabelo dando na bunda), era visto constantemente cercado de curiosos, atraídos tanto pela singular persona, quanto pelo visual absolutamente despojado de Hippie sectário, afastado das estradas.

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