Nasci em 1949, ano em que os comunistas venciam a guerra civil na China e soviéticos e americanos intensificavam a disputa pela hegemonia mundial. Portanto, vim ao mundo ainda nos primórdios da Guerra Fria. Em certa medida, sem exagero, depois de tudo que presenciei na História, durante todos esses anos, posso me imaginar um sobrevivente.
Nunca sonhei em chegar até aqui. Mais de sete décadas de existência! Nem meu pai conseguiu a façanha. Ficou nos 57 anos, coitado. Milagre ou não, pela primeira vez na vida, começo a admitir um dogma: a maturidade nos empurra para a síntese, para o essencial. Não há mais tempo a perder com inutilidades. Até parece que ao atravessar o Cabo da Boa Esperança, lançamos ao mar, naturalmente, todo o excesso de carga para que o barco chegue ao seu destino com relativa tranquilidade.
Seria o início de um processo de decantação existencial? Talvez. De quebra, instala-se em nós a necessidade de despojamento, de simplicidade em tudo. O valor mais alto passa a ser a vida. Existir, simplesmente existir; respirar, nada mais que isso. Deve ser assim com muitos que frequentaram a JEC - Juventude Estudantil Católica, criaturas que, no reino do egoísmo e da ganância, desde jovens, decidiram repartir o pão.
A essa altura da vida, de uma coisa posso me orgulhar: nunca me senti angustiado por não estar com os benefícios nem com as vantagens que os outros possuíam. E, mesmo sem ter um tipo de atuação social destacada, alegra-me o fato de ter o reconhecimento verdadeiro, sincero, dos que me conhecem de fato.
O patrimônio acumulado é o companheirismo infalível dos amores de sempre, os livros que nunca saem da cabeceira, os filmes que não me canso de assistir, a música que me afaga a alma, as fotos da minha história vulgar e o afeto das filhas e dos poucos amigos ao meu alcance. No cotidiano ordinário, a brincadeira com o neto tem mais importância do que a conversa com o homem mais poderoso da província.
A liberdade e o ânimo de viver se apóiam na “estratégia de baixo consumo”, tão franciscanamente utilizada pela blogueira cubana Yoani Sánchez, o que, embora afastando pretendentes (rsrsrs), tem garantido a paz dos meus dias. Estou mais contemplativo e sem muito jeito para militâncias. Os olhos despertaram e a língua adormeceu.
Muitos encaram a velhice de outra forma. Há os que preferem a ilusão. Há os que querem transformar um adágio em rock ‘n’ roll. Quanto a mim, só peço uma coisa ao Universo que tão gentilmente me acolhe: a compenetração da idade que eu tenha (um velho ridículo faz pena).