É suficientemente tranquilo para mim o fato de negar a multiplicidade de experiências amorosas e qualquer incredulidade a esse respeito em nada me aflige. Mesmo com a vida modificada por certas circunstâncias, desconheço o movimento dos móveis em casa estranha e penso que um relacionamento estável nada tem de extraordinário. Desconheço os efeitos patentes do amor produzidos fora do círculo habitual da minha casa. O amor para mim foi desenhado em um âmbito bastante restrito.
Ainda preciso conhecê-lo fora dos muros do calor materno para experimentar outras formas de se doar a alguém. Também meus objetos desconhecem os modos de morar e costumes de outras pessoas, principalmente as masculinas. Meus objetos estão habituados a viver em solo feminino desde quando nasci. Nunca se mudaram de casa. Conhecem apenas o amor de três gerações de mulheres fortes e decididas.
Se eu dividir meu chão com alguém, meus objetos irão comigo. Sentirão o toque áspero e uma sensação de estranhamento. O novo lhes provocará e talvez não se sintam em casa no início. A alma deles ficará atribulada, mas precisarão aprender com a nova experiência colocada, por enquanto, como possibilidade. Ainda não precisam ficar com os nervos à flor da pele se os atos provocativos evitam tocá-los. A escuta me parece suficiente para a vida específica que carregam. Aconselho-os apenas a ficarem de tocaia caso algo me ameace. Dividem espaço comigo vasos que nunca foram garrafas, peças de artesanato coreano e de cerâmica japonesa compradas em viagens. Gosto da ideia de aliar beleza e utilidade nestes objetos. Pelo menos não ficam condenados apenas a enfeitar minha casa. A sensação de um corpo repleto de inutilidade não me parece das mais agradáveis.
A relação com meus objetos é dialética e assim será com o meu sexo oposto, com quem estarei conectada. Neste caso, a rivalidade não existirá. Estarei dividida entre o amor e o ordinário cotidiano. Inteira para ele e para meus objetos. Um pouco de mim reside neles, receptáculos de projetos e contraditórios. Se estou na rua, estou também na cerâmica presa à escrivaninha; se estou em espaços coletivos, alguns segredos no papel dobrado repousam no vaso. Estou lá e cá. Por isso é fácil me encontrar, onde quer que eu vá, sem antagonismos. Sou anárquica e meus objetos me aceitam como eu sou. Se meu casamento não der certo um dia, estarei de volta à minha casa de origem, com todos os meus objetos-receptáculos de segredos. Confio plenamente neles.