As pessoas se dividem entre as que gostam e as que não gostam de carnaval. Estou no primeiro grupo. Adoro a festa. Desde criança. Não perdia uma matinê do Cabo Branco e Astréa, como os netos de Martinho Moreira Franco, nem as matinais da AABB. E depois o próprio Carnaval dos Clubes que, só aos 14 anos papai permitiu que eu fosse. Saía com a orquestra. E frevava sem parar. Na base do guaraná, e depois do Rum com Coca. Corso, Ala Ursa, não podia ver um bombo e já saia atrás.
E os frevos (o ritmo mais lindo!) e baterias de escolas de samba, me fazem tremer até hoje. Depois, fiquei de fora. Casamento muito cedo e companheiros avessos aos carnavais, a gente dançava conforme a música, digo o marido! Veio a época de acampar em praias que começavam a fazer sucesso: Baía Formosa, Pipa, Sagi, Praia do Francês, Canoa Quebrada – bati tudo, com amigos e companhias de alvoroços.
Depois foram as ladeiras de Olinda no começo dos anos 80 e a minha felicidade suprema. Tudo que eu queria no Eu Acho é Pouco, e Siri na Lata! Ladeiras, liberdade, maracatus com seus zumbidos estranhos da Zona da Mata. Eu me perdia no des-Amparo! Casa de Roberto Lúcio e Cláudia, amigos da vida, com outros tantos amigos que, com caras de purpurina, saíamos da Casa do artista plástico, Samico (in memoriam), rumo a sabe-se-Deus-onde. Cumpri todas as agendas.
Aí chegou o Folia de Rua que nem nome tinha – fui precursora das Muriçocas, Cafuçus e Piabas. Mas também saía nas Virgens, do Bar Convívio a ver os amigos, literalmente soltarem a franga. Pablo Vittar? ainda não existia. Nem Sertanejo, com as Gracias da Vida. Nas Muriçocas foram quase 30 anos. De carroças e pés no chão. Nos últimos anos, me excedi no Urso Amigo Batucada. Depois peguei as marchinhas das Raparigas de Chico por mais três anos e ano passado, ainda fui no Doido é Doido! Pronto, estava cumprida a minha vida de folia.
Fantasias? Foram muitas. Com e sem apropriação cultural. Palhaço e Pierrot eram as minhas preferidas, pra rir e pra chorar. E sozinha. Sempre sozinha. Apesar do Carnaval ser uma festa coletiva, eu, na contramão, sempre gostei de ir sozinha. Logo cedo percebi que não tinha parceiros foliões e calmos para me acompanharem. Marido e mulher foliã? Taí uma equação que não dava certo. E quanto mais multidão na Avenida, melhor. Chegava na praia feliz, pegava o beco e ia pra casa, e tome trabalho pra tirar o glitter! Sim, Carnaval tem que ter fantasia e cara pintada. Um outro Eu que aparece, fazendo de conta que a gente mudou de pele, e que podemos tudo.
Hoje, me recolho à minha insignificância... e explico. Continuo foliã e gostando do ziriguidum. Mas as limitações aparecem, como o calor e a energia em excesso. O corpo reclama e, como não gosto de dar olhadinha em nada, fico cabreira e não brinco mais nos blocos. Acompanho na TV o riscado. Desfiles, os milhares de blocos Brasil afora, e continuo achando o Carnaval uma festa que continuará linda e extravagante. Imaginem depois da pandemia...
Hoje mando um beijo para As Calungas, um bloco de percussão composto de mulheres e que eu, ah! como queria, estar ali batendo lata, tamborim, o que fosse. Nasci pra ritmista! Na Noruega, com certeza! Pois, nesse forno de calor que estamos a viver neste verão o meu baticum tem sido outro. Mas, como a natureza das coisas, tenho medo daquela fábula do escorpião que não muda a sua, nem mesmo quando a sua vida está em perigo. Quem sabe a minha natureza de carnavalesca ainda está aqui, pulsante...
Não brincar Carnaval pode ser tão libertador quanto brincar! Mas só até ouvir o bombo da esquina...