Estou feliz, disse ao amigo. Ele me olhou de forma estranha com o canto do olho, talvez procurando uma justificativa para o meu estado.
Olhou em volta e praticamente pesquisou a fisionomia dos que passavam, na busca de uma justificativa para minha estranha condição anímica. Quase todos, embora talvez ampliando um certo grau de “otimismo” uns 70%, exibiam ostensivamente um rosto de desaprovação com a vida, no mundo e no Brasil.
Havia portanto uma demonstração significativa de frustrados e insatisfeitos com as ocorrências diárias e sucessivas. Em alguns, de franca revolta, em outros de ceticismo e para um terceiro grupo buscando elencar o que era mais relevante neles, uma profunda tristeza com padrões tão marcantes de desumanidade ou com níveis tão elevados de indiferença com o sofrimento humano em geral. Estes exalavam uma pseudofelicidade, ódio difuso, ou tons de egoísmo que para ele eram inaceitáveis sob qualquer ponto de vista.
Dei um abraço, me despedi, desejei um mundo melhor para todos nós e com as mãos nos bolsos, como se procurasse algo, fui pensando em mim mesmo e já questionando um certo grau de desatenção com o todo e com os detalhes do mundo em que vivia.
A propósito, esta música vai muito longe nas certezas da dúvida:
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar, vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar