Pouquíssimas coisas me falam tanto à alma quanto a velha máquina de costura de Dona Vininha, minha mãe. Tão logo me dei por gente, na idade das primeiras descobertas, eu me pus a admirar o modo engenhoso como aquela caixa de madeira acomodava o bloco de ferro pintado em tom escuro. A cor negra realçava o emblema dourado com o símbolo da fábrica, na base mais grossa, aquela com tronco e pescoço para a roda e a correia.
No espinhaço, um pino servia ao carretel de onde a linha partia na direção da base mais fina, com suas engrenagens, agulha e bobina. Eu não conseguia entender o mecanismo que fazia os fios, um vindo por baixo e outro por cima, darem-se nós sobre as dobras dos panos. Corta dali, emenda de cá e as peças de tecidos compradas na loja de Seu Oscar transformavam-se em calças, camisas e vestidos para a dona da casa e seus quatro filhos, três meninos e uma menina.
Os pés de ferro davam firmeza à estrutura metálica que sustinha o pedal e a alavanca responsáveis pelo giro da roda inferior, maior e mais pesada, a fim de garantir a força motriz conduzida pela correia até a parte superior.
Nada me agradava tanto quanto acordar ao som daquela velha máquina advindo das férias escolares no Recife. Aquilo me fazia sentir, verdadeiramente, em casa. Até hoje, quando traço o retrato mental de um lar, eu o faço com pai, mãe, filhos e uma máquina de costura. Não dessas modernas, leves, cheias de recursos e movidas a eletricidade, mas as de antigamente, com pés de ferro e gabinete de madeira envernizada, com quatro gavetas, de onde emergia e onde mergulhava a velha e ruidosa Singer. Reforça-me a concepção dessa imagem um velho clichê, à guisa de propaganda: o desenho de uma senhora, num canto de sala, sentada à máquina.
Leio que Isaac Singer, o inventor, patenteou a primeira máquina de costura realmente prática, em 1851, com o que revolucionaria o processo milenar de recortar, modelar e unir pedaços de tecidos para a confecção de roupas. Também, que o primeiro ponto de venda no Brasil surgia sete anos depois, no Rio de Janeiro. Ainda sou informado de que a autorização para a Singer funcionar no País foi assinada pela Princesa Isabel. E que foi esta empresa a primeira a aqui introduzir o sistema de vendas a prazo.
Fenômeno comercial e fabril no mundo inteiro, até os dias de hoje, a Singer não me vem à memória apenas por essas coisas. Ocorre-me, sobretudo, por trazer aos meus olhos cansados retalhos da minha infância, a vida e os entes queridos que já perdi.
E há espaço para a lembrança de antigas brincadeiras. Uma delas consistia na disputa dos carretéis de linha vazios, feitos de madeira, para a confecção de carrapetas. Serrados ao meio e preenchidos com tocos de lápis, ou pedaços de pau afiados numa das pontas, davam piões de giros eternos.
Pergunto a Dona Miriam, que já me deu três filhos e nunca teve uma máquina dessas, se ainda existe carretel de madeira e ela acha que não. “Hoje em dia, deve ser tudo de plástico”, responde. Se houver, vou comprar alguns, jogar fora a linha sem serventia e fazer carrapetas para o netinho Miguel, posto que não as fiz para o pai dele e seus dois irmãos. E me penitencio: “Perdão. Mas pai não tem que ser perfeito. Avô, sim”.