Dona Zefinha é uma idosa que vive num sítio há muitos anos. A casa fica às margens de uma estrada; da janela da sala ela vê o movimento de veículos e pessoas, de outra, que fica no quarto de dormir, avista boa parte da pequena propriedade. O mato está verde, o plantio cresce viçoso, mas o barreiro ainda não juntou água.
Meu avô me disse certa vez:
“As secas da atualidade são grandes como as de antigamente, mas não são devastadoras porque hoje se tem assistência, no passado não tinha.”
Otávio Nogueira
“Eram tempos difíceis... a gente morava numa região menos árida, ainda tinha água, comida pros animais... A estrada parecia uma procissão, com retirantes que passavam carregando o que podiam, uns nem esperança tinham mais. Um ou outro parava, pedia água, alguma esmola. Em nossa sala não faltava um saco de farinha, um garajal de rapadura. Aquelas figuras humanas olhavam para o céu, mais a procurar Deus do que a chuva. Deus parecia não estar ali.
— Fica olhando para quê, mulher? – resmungara o marido.
— Vamos rezar e esperar, Deus vai olhar por nós – dissera ela enquanto abanava, das moscas e do calor, um menino de colo.”
— Fica olhando para quê, mulher? – resmungara o marido.
— Vamos rezar e esperar, Deus vai olhar por nós – dissera ela enquanto abanava, das moscas e do calor, um menino de colo.”
Otávio Nogueira
“Eu disse àquelas pessoas: — Esperem a quentura diminuir, e depois vocês seguem caminho. Mas a mulher não parecia ouvir... Foi quando seu marido respondeu: — Deus não está lá em cima, mulher... Ele está pra lá! – Apontava o dedo para a estrada empoeirada. — Vamos simbora, ainda temos dois dias de estrada!“
Agora muitos anos se passaram. 2021 foi um ano terrível para a humanidade, e novamente a chuva não veio. A seca se arrastou, brigou por mais um ano. Venceu.
Otávio Nogueira
A Pandemia perdeu a força, a seca também. Em fevereiro passado começou a chover, mas foram eventos localizados.
Otávio Nogueira
O mundo de Dona Zefinha é muito pequeno, talvez do tamanho do que vê e das histórias que ouve de quem passa pela sua porta. Não imagina ela que o rapaz vive miseravelmente numa periferia de Rio Verde e que do outro lado do mundo existe um lugar chamado Mariupol, onde crianças estão sendo bombardeadas e cachorros estão comendo pessoas e pessoas estão se alimentando de cachorros. Melhor que não imagine!