A escritora, ensaísta e pensadora inglesa Virginia Woolf viu a guerra de perto. Viveu no início do século XX e perdeu seu irmão em um dos conflitos mundiais. Perda essa que, posteriormente, serviu de referência para criar o personagem Septimus, em seu romance Mrs. Dalloway. Mas não é só.
No ensaio “Três Guinéus” (Three Guineas — 1938), a escritora britânica procura responder como se pode evitar a guerra. E ela responde, ironicamente, com três simbólicas moedas: No primeiro Guinéu, ela discorre sobre a construção de
Virginia Woolf ▪ 1882—1941
Para Woolf, era instigante perguntar por que o homem devota o seu tempo e energia à guerra? Ela respondeu: pela glória e necessidade ou satisfação, uma vez que a guerra era uma profissão, uma fonte de felicidade e excitação e também uma válvula de escape para as atividades masculinas. E foi além quando se perguntou de que modo as mulheres poderiam prevenir a guerra. Com mais educação e participação efetiva nas decisões globais. Mas, então — ponderava a escritora —, uma outra armadilha se criava: se as mulheres tivessem a mesma educação destinada a uma sociedade patriarcal, não estariam elas também destinadas a defenderem a guerra?
Meryl Streep em "A Escolha de Sofia" (1982) ▪ Direção: Alan J. Pakula ▪ Foto: Div.
Fico com receio de estar diante de uma ambiguidade e de uma contradição frente às ideias de Woolf...
Há algum tempo li notícias de que os Estados Unidos estavam a admitir mulheres na linha de Front, e qual minha surpresa: a fila já era grande! As mulheres querendo ir para um lugar que antes lhes era negado, talvez para corroborar a frase da personagem Sally Seton de Mrs. Dalloway quando ironicamente critica os papéis ditos femininos x masculinos e diz:
“Nós povoamos o mundo, eles (os homens) o civilizaram!”
E last but not least... a diretora Kathryn Bigelow — vencedora do Oscar de melhor direção por Guerra ao Terror — atreveu-se a contar — em outro filme seu, A Hora Mais Escura — o episódio da captura do maior inimigo contemporâneo de guerra, Bin Laden, tendo como protagonista uma mulher linda, magra, elegante, ruiva, silenciosa e enigmática, capaz de enfrentar horas de tortura, de poeira, de silêncio e de perigo.
Jessica Chastain (Maya) em "A Hora Mais Escura" (2012) ▪ Direção: Kathryn Bigelow ▪ Foto: Div.
Todas essas questões de Woolf, e mais umas tantas outras, foram discutidas por ocasião da defesa da tese de doutorado de Maria Aparecida de Oliveira intitulado “Virginia Woolf: Um Projeto Político x Um Projeto Estético”,
Maria Aparecida de Oliveira
Nesse trabalho de pesquisa de fôlego, entre tantas coisas interessantes, anotei uma citação que fala do personagem de Mrs. Dalloway, ressaltando o fato de que a personagem constrói a cidade, à medida que caminha por ela. Nesse caso o pedestre-enunciador cria mais significados pelos pés que caminham do que pela voz que enuncia. Estava decifrado meu enigma! O enigma do meu gosto por me perder e me achar em lugares nunca dantes navegados. São os meus pés criativos!!! E eu, como uma boa pessoa do devaneio, já me pus a caminhar/pensar.
Enquanto caminhei pelas ruas arborizadas de Araraquara e da Unesp, e por entre os flamboyants e as jaboticabeiras da casa-fazenda do grupo Lupo, fiquei a exercer o pensamento de Woolf de fazer Pontes entre as minhas ideias e as da aluna; no meu trabalho de arqueologia of my own, pensando back through our mothers, apropriando-me assim das hipóteses da doutoranda de que nós mulheres pensamos, sim, através das nossas mães – uma matrilinhagem; assim também como In Search of Our Mother's Garden, como tão bem pensou e escreveu a escritora púrpura Alice Walker sobre jardins e criatividade.
Quanto às guerras? Antes ou depois do front real, temos tantas outras batalhas cotidianas para enfrentar nos nossos três vinténs de cada dia.
Como se já não me bastasse minhas guerras diárias da vida de uma mulher “ordinária”, não gostaria de ainda ter que pegar numa arma de verdade!