São sempre tempestuosas as águas de março. Abrindo a crônica de 1817, que passa de um volume a outro das “Notas”, o guardião-mor da nossa história, o historiador Irineu Pinto, teve a lembrança de falar dos dias chuvosos que encharcavam os caminhos de cana chapinhados madrugada a dentro pelos revolucionários de Pilar e Itabaiana, os condutores do movimento revoltoso contra o absolutismo de Portugal e pela república do Nordeste.
A ideia revolucionária vinha do interior para a capital. No sertão, contagiada pelo Ceará; na faixa canavieira da Zona da Mata, embebida pelas ideias do Areópago de Arruda Câmara, espalhadas pela elite dos engenhos de Pilar, Itabaiana, Santa Rita até a região brejeira de Areia.
Não foi um movimento de esfarrapados. Como se narra, a embaixada de Cruz Cabugá, considerado o primeiro diplomata brasileiro, era ousada, movida a muito dinheiro arrecadado entre ricos senhores de engenho na intenção de atrair ajuda dos Estados Unidos para a nossa guerra de independência. Até resgatar Napoleão de Santa Helena para liderar a revolução democrática ou republicana, até isso estava nos planos desse escravocrata pernambucano e leitor dos pensadores franceses.
E a Paraíba entrou nessa, “na mais espontânea, a menos desorganizada e a mais simpática das nossas numerosas revoluções, como a considera o biógrafo de D. João VI, o historiador Manuel de Oliveira Lima. Como entrara com o sangue do seu povo ainda nascituro na guerra holandesa que terminou, na história, com o nome de restauração pernambucana.
O cenário de capelas e igrejas ainda resistentes na várzea de Santa Rita testemunha o campo de batalha pela Restauração, todas elas mantidas de pé apenas como milagre da História.
Foi um momento grandioso de formação do nosso povo, o qual, pela numerosa relação dos heróis sacrificados com a vida, com o degredo, com anos e anos de prisão, era de supor que fossem, hoje, mais respeitados e cultuados.
A distância, na verdade, é muito grande. Decorridos dois séculos, o altruísmo, o patriotismo, esses ímpetos dos arcanos devem ter mudado de nome, de há muito desonerado. O regime de 1964 há de ter sido a última pá de terra nesses sentimentos com a imposição dos seus manuais de Moral e Cívica.
Décadas atrás fiz a respeito este registro: “Cento e setenta anos depois, é difícil saber o que ganhou a Paraíba com a Revolução de 1817. Ou melhor, o que significou essa Revolução na identidade política dos paraibanos. / Hoje, 1817 não é mais que uma ligação em dois planos das duas praças centrais da cidade“. Sob a presidência do sr. Camilo de Holanda, a Paraíba comemorava o centenário de 1817 como os franceses comemoraram a sua Revolução. Há missa campal, ‘em artístico altar’ e, no Instituto Histórico, exposição de documentos, armas e relíquias dos heróis, a sessão com mais público do que cadeiras. Ossos de Peregrino, uma imagem que pertencia a Amaro Coutinho, objetos de uso doméstico dos revolucionários e documentos com autógrafos dos mesmos. Quem guardou essas relíquias que deveriam enriquecer o novo museu? Depois “o imponente préstito cívico, o maior e o mais brilhante até hoje”, segundo a revista número 5 de 1917 do IHGP.
Por que os outros povos gostam disso e somente nós, não?