O POLÍTICO
Quando ele nasceu, foi batizado com o nome de Carlos (Karl) Frederico (Friedrich), homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels. Seu pai era um político que, em plena República Velha, tinha ideias socialistas e era ligado ao nascente sindicalismo brasileiro. Seus dois tios paternos pertenciam ao Partido Comunista Brasileiro e ambos chegaram a ocupar o cargo de secretário-geral do PCB, o posto mais elevado na estrutura partidária. Aos 12 anos de idade, o hiperativo e sagaz Carlos Frederico já lia obras como “O ABC do Comunismo”, de Bukharin, que lhe eram repassadas por um dos seus tios.
Rio de Janeiro, 1935 ▪ Comício da Aliança Nacional Libertadora ▪ Fonte: Memorial da Democracia
Após a frustrada rebelião ocorrida, em novembro de 1935, a chamada Intentona Comunista, Carlos Lacerda teve que se foragir e, a partir daí, sofreu as perseguições que Getúlio Vargas impôs aos partidários de Prestes. Abandonou a faculdade e passou a escrever em jornais e revistas.
Em 1939, Lacerda foi escorraçado do Partido Comunista como delator e traidor, por conta de uma reportagem sobre o comunismo no Brasil que ele fizera para uma revista, episódio que nunca foi muito bem esclarecido, nem por ele, nem pelo PCB. Na época, a animosidade dos comunistas contra o jornalista chegou ao ponto de uma determinação partidária, com base em dispositivo estatutário do PCB, proibir os filiados de manter qualquer tipo de contato com Lacerda.
A partir daquele momento, as posições ideológicas de Carlos Lacerda vão se colocando cada vez mais à direita, chegando, nos anos 1960, a um radical anticomunismo.
Imagem ▪ Alphabet
Após a sua expulsão do PCB, Carlos Lacerda continuou atuando como jornalista e na oposição à ditadura do Estado Novo. Em fevereiro de 1945, a entrevista que ele fez com o paraibano José Américo de Almeida, publicada no jornal Correio da Manhã, foi a responsável pela derrubada da censura que era imposta pela ditadura de Getúlio Vargas aos órgãos de imprensa.
Em 1945, Carlos Lacerda foi uma das vozes mais atuantes para a deposição de Vargas, tanto por conta dos seus artigos em jornal como pela sua presença nos comícios e manifestações oposicionistas. Para o historiador José Honório Rodrigues, que presenciara Lacerda discursando quando ele era ainda estudante de Direito, o jornalista preenchia as cinco características que o Padre Antônio Vieira estabeleceu, em um dos seus célebres sermões, para a proficiência de um pregador: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz.
Imagem ▪ Alphabet
Recorte ▪ Jornal A União, 02.12.1947
Uma das mais contundentes campanhas empreendidas por Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas, naquele tempo, referia-se a um financiamento feito pelo Banco do Brasil, em condições extremamente vantajosas, para que o jornalista Samuel Wainer fundasse o jornal “Última Hora”, que passou a ser, praticamente, um órgão oficioso do governo federal.
Junho de 1949 ▪ Getúlio Vargas e Samuel Wainer, em evento na cidade de Santos Reis, no Rio Grande do Sul ▪ Fonte: Amazon
O EPISÓDIO QUE ORIGINOU A CARICATURA
Nestor Moreira era um veterano repórter policial do jornal carioca “A Noite” e denunciava a incompetência da polícia na apuração de crimes. Na madrugada do dia 11 de maio de 1954, ao se dirigir a uma delegacia, Moreira foi brutalmente espancado por policiais. Em consequência das agressões que sofreu, veio a falecer onze dias depois. Segundo o brasilianista John W. F. Dulles, o mais rigoroso biógrafo de Lacerda (“Carlos Lacerda A vida de um lutador”, vol. 1, 1914-1960, Nova Fronteira, 1992), a morte do repórter causou grande comoção no Rio de Janeiro:
“Naquela tarde as atividades esportivas foram suspensas e os cinemas fizeram um minuto de silêncio. No domingo, milhares de pessoas acompanharam o féretro quando foi levado primeiramente para o prédio de ‘A Noite’, depois para o da ABI e finalmente para o Cemitério São João Batista [...] Os discursos no funeral foram transmitidos pela Rádio Globo”. Carlos, um dos oradores à beira do túmulo, condenou o barbarismo policial [...] Num editorial de primeira página da ‘Tribuna’, Carlos mencionou a declaração de Vargas de que o crime fora monstruoso e acrescentou que monstruoso era tudo no seu governo de corrupção e violência”.
Jornal A Noite, 08.06.1954
O CARICATURISTA
Lanfranco Aldo Ricardo Vaselli Cortellini Rossi Rossini, ou simplesmente Lan, como era conhecido e como assinava os seus desenhos, italiano da Toscana, começou a trabalhar como caricaturista (como ele gostava de ser chamado) em 1945, em jornais de Montevidéu. Depois passou a trabalhar na Argentina.
Lan ▪ 1960s Arquivo JB
Desenhos: Lan
A CARICATURA
Em entrevista dada ao jornalista Alex Solnik, Lan relatou como surgiu a caricatura que ele fez de Carlos Lacerda:

Lan
Lan contava que de todos os desenhos que ele havia feito para jornais “o pior, tecnicamente, é aquele corvo. Fiz com pressa porque estava atrasado para um encontro”. Apesar dessa opinião do caricaturista, foi com o desenho do Corvo/Lacerda que Lan obteve projeção na imprensa carioca. As caricaturas do Corvo de Lan passaram a ilustrar os furiosos editoriais da “Última Hora” contra Lacerda e a exaustiva repetição pelo jornal do desenho, nas mais variadas situações, marcou de tal forma a imagem do político que ela passou a ser associada à figura de um Corvo.
Carlos Lacerda morreu, em 1977, aos 63 anos de idade, em uma clínica do Rio de Janeiro. Existe uma versão (sem nenhuma comprovação) de que ele teria sido vítima da Operação Condor que visava, entre outras ações, eliminar vários importantes lideres de oposição aos governos militares que, na época, estavam estabelecidos na América do Sul (entre outros possíveis alvos da Condor estariam os ex-Presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek). O caricaturista Lan faleceu em novembro de 2020, aos 95 anos.