Ao ler a crônica do jornalista Petrônio Souto sobre o Cabo Branco — no Ambiente de Leitura Carlos Romero — e a degradação da enseada, me bateu uma tristeza! Morei por dez anos à beira mar naquela praia, nos anos 70, e reafirmo que era um paraíso de beleza. Depois vim morar no Bessa e, desde 1984 (isso mesmo: a data de George Orwell e a distopia do mundo) que habito por entre cajueiros de conta e que se perderam na invasão dos prédios des-ordenados, dos pombos e das sujeiras de que fala Petrônio. Assim também assisti, incrédula, à deterioração dos paraísos que tive a sorte de conhecer no início dos anos 80: Pipa (RN), Praia do Francês (AL) e Canoa Quebrada (CE).
Mas, no meu verão têm sido tempos difíceis e que não têm a ver com mar. Através da crônica do amigo Nelson Barros (“Dias Melhores Virão” - A União), eu também chorei a morte de Monica Vitti, uma das mulheres mais belas e enigmáticas do Cinema Italiano; a partida precoce do teatrólogo e cineasta Eliezer Rolim, com quem troquei algumas palavras na ocasião em fui apresentada à sua filha ilustradora; e levei um soco no estômago com o caso do congolês Moïse Kabagambe, sem acreditar que alguém possa ser morto a pauladas num quiosque à beira mar. Já não se fazem mais praias como antigamente. Que mundo é esse?
Neste verão, também li sobre a música Com açúcar e com afeto, que Chico Buarque não quer mais cantar nos shows, e que gerou discussões nas redes. Disse ele:
"Continuo achando que é uma coisa meio vencida, essa coisa da mulher lamurienta, que fica em casa. Puxa, nós estamos no tempo da Anitta! As mulheres estão falando alto, estão de cabeça erguida e acho bonito isso. É uma conquista do movimento feminista. O movimento feminista tem uma grande importância"
O Globo 06.02.2022
Eu, mocinha, cantei muito essa música e, o que é pior, me colocando no papel da mulher que espera o marido e que dá um beijo em seu retrato. Claro que é retrato de uma época, o qual deve ser mantido para termos esse registro histórico, musical e político. Importante lembrar que Chico — que, como ninguém, sabe se colocar nessa posição de fala da mulher oprimida — escreveu tantas outras lindas canções sobre o tema (o jornalista Silvio Osias, fala disso na sua maravilhosa última 'Sexta Musical') — e tem, sim, todo o direito de fazer a sua escolha.
Por entre Covid e sintomas pós-Covid, eu driblo o verão. Muito em casa. Um mergulho no mar. Fartura de jaboticaba e manga; agulha frita, tapiocas para a minha hóspede, irmã Teca, que nos visita nessa pandemia. Logo ela, que veio do País de Gales/Grã Bretanha, onde a normalidade aos poucos voltava, chega aqui e a família adoece. Vamos contando, protocolarmente, os dias, os isolamentos de cada um, para que surja uma água de coco, um feijão verde com carne de sol desfiada, ou simplesmente um aceno de longe.
Por entre máscaras, também vamos cuidando das outras despedidas da minha mãe. Sim, uma pessoa quando morre, tem várias despedidas. Aquela do velório, a dos objetos, o des-fazer da sua casa. A despedida burocrática, a dos cartórios milionários e, finalmente, a despedida das cinzas ao mar. Um longo caminho vivido nas conversas, nos silêncios e nas tristezas de cada uma de nós.
No meio desse verão sofrido e cheio de altos e baixos, fomos tomar um sorvete de coco, graviola, castanha e goiaba na Friberg, olhar as sandálias Havaianas e a maré cheia de fevereiro, com as suas ondas a quebrarem na calçada. Espumas ao vento. Um cenário de que gosto e que sempre fico a contemplar naquela parte da praia de Manaíra, que, apesar de suja e esquecida — como diz Petrônio — eu me abstraio e só vejo os barcos, o mar e essas ondas que vêm e vão. Caminhando na calçada, cruzamos com uma jovem mulher, em cadeira de rodas automática, e o companheiro ao lado. Chamou a nossa atenção a sua juventude presa na cadeira, mas ela parecia estar ali para contemplar a tarde.
Fomos adiante e, na volta, avistamos o casal novamente. Dessa vez, ela estava sentada nos degraus da calçadinha, com os pés brincando na areia branca da praia e o seu amor sentado ao lado. Os dois pareciam felizes e sozinhos naquele ritual que talvez seja costumeiro. A cena me enterneceu. A sua força e delicadeza, ao apreciar o mar com os pés roçando na areia. O corpo preso e vulnerável, mas o seu poder de contemplação intacto, pronto para apreciar as ondas e aquele final de tarde único.
Agradeci as minhas pernas que tanto batem para perambular por aí. E não reclamei mais de nada. Brindei à vida com meu sorvete derretendo pingos de coco e castanha pra todo lado.
Hoje, domingo, não tinha a amizade com Martinho Moreira Franco (in memorian) como a do querido Gonzaga Rodrigues. Mas, com certeza, também receberia um alô de Martinho para comentar essa crônica. Saudades desse leitor atento e carinhoso.
Fica o domingo. Pé de Cachimbo!