Em janeiro de 1937, há 85 anos, dentro das comemorações do segundo aniversário da administração do governador Argemiro de Figueiredo, era inaugurada a Rádio Difusora da Paraíba, um marco na radiodifusão no Estado. Três meses depois, o governo estadual conseguia junto ao órgão nacional competente a alteração no nome da emissora, que passou a ser denominada Rádio Tabajaras.
Assim mesmo, no plural. Alegava o governo do Estado que a alteração no nome da rádio se dava “em homenagem aos primeiros habitantes da Parahyba e em reconhecimento aos notaveis serviços que os Tabajáras prestaram á colonização parahybana”.
É importante, aqui, ressaltar que havia uma incorreção na justificativa apresentada pelo governo do Estado para alteração no nome da emissora, porque todos os registros históricos até hoje disponíveis indicam que os primeiros habitantes das terras da Paraíba foram os nativos da nação Potiguara e não os da Tabajara.
Inicialmente, a nova emissora “ficava no ar”, como então se dizia, por apenas três horas, no período noturno, iniciando às 19h30min e encerrando às 22h30min. Quase todo o horário de funcionamento da rádio era preenchido com programas musicais, o que fez com que nas primeiras contratações da emissora, além de técnicos, apresentadores e redatores, houvesse a necessidade de se recrutar um grupo instrumental para dar suporte à parte musical da rádio.
Em 1933, o violinista Olegário de Luna Freire e o empresário de origem holandesa Oliver Von Sohsten haviam criado na capital da Paraíba um grupo instrumental para tocar nos bailes da cidade ao qual deram o nome de “Orquestra Jazz Tabajara”. A denominação de “Jazz” para grupos instrumentais era muito usada na época por conta da influência das big bands norte-americanas que eram muito populares no período. E foi a “Jazz Tabajara” que foi contratada pela emissora recém-inaugurada e que tinha o prefixo “PRI-4”, passando o grupo a ser, também, chamado de “Jazz da PRI-4”, como aparece na divulgação das primeiras programações da rádio.
Ao iniciar as suas atividades na emissora, a “Jazz Tabajara” foi reforçada com a entrada de músicos que, na época, eram ainda desconhecidos, mas que, posteriormente, estariam entre os principais instrumentistas do país: o trombonista José Leocádio (autor do célebre choro Paraquedista ), o admirável saxofonista Sebastião Barros, mais conhecido como K-Ximbinho, compositor dos clássicos Eu quero é sossego, Sonoroso, Ternura, Sempre e tantos outros, e, também, um jovem clarinetista pernambucano vindo da Banda da Polícia Militar da Paraíba chamado Severino Araújo de Oliveira.
Severino Araújo deixara, em 1936, Ingá, onde morava com a sua família, para ingressar, devido ao seu imenso talento, como músico de primeira classe, na Banda da Polícia da Paraíba. Seu pai era o mestre da banda de Ingá e seus quatro irmãos eram, também, músicos excepcionais. Severino Araújo ingressou na “Jazz Tabajara” acumulando, também, a função de assistente do maestro Olegário de Luna Freire. No ano seguinte ao da inauguração da emissora, Luna Freire faleceu repentinamente e Severino Araújo, aos 21 anos, assumiu a regência da orquestra. É ele quem conta o episódio, em entrevista dada ao jornal O Globo, do Rio de Janeiro:
“Ninguém queria ser regente da orquestra quando Olegário morreu. Foram procurar músicos renomados pelo Brasil afora, mas ninguém parecia disposto a tamanho compromisso. Até que vieram me chamar. Chegaram até a insistir para eu aceitar a função. Topei a parada, mas com uma condição: a orquestra que já tinha até programa diário no rádio, teria que ser tal como as norte-americanas: quatro saxofones, três pistons, dois trombones e ritmo. Naquele tempo, tínhamos um instrumento a menos de cada tipo. Aceitaram minha exigência, contrataram mais três elementos e fomos em frente”.
Vivia-se a era das Big Bands, as orquestras de swing norte-americanas eram admiradas em todo o mundo e o jovem maestro da Jazz Tabajara estava entre esses admiradores:
“Naquela época, eu ouvia as bandas norte-americanas pelo rádio. Benny Goodman era o meu ídolo, mas também gostava muito de Duke Ellington e Tommy Dorsey”.
“Resolvi fazer da Tabajara uma orquestra moderna em música ianque. Em minha casa nos reuníamos para escutar músicas dos reis do fox [...] Eu fazia os arranjos de músicas brasileiras para tempo de fox [...] Em pouco tempo a turma estava afiada, mas afiada mesmo, tanto que quando as executávamos parecia que tínhamos nascido na América do Norte”.
Durante seis anos, de 1938 a 1944, Severino Araújo esteve à frente da “Jazz Tabajara”. A sua admiração pelas orquestras de swing norte-americanas o levou a criar para o grupo instrumental da emissora uma fórmula inovadora e notável: o som das big bands aplicado em ritmos eminentemente brasileiros, como o choro e o frevo pernambucano. Surgia dessa fusão o inconfundível som da futura Orquestra Tabajara. Foi, também, na Paraíba, no seu tempo de regente da “Jazz Tabajara”, que Severino compôs as suas músicas mais conhecidas, como Espinha de Bacalhau e “Um chorinho em Aldeia”.Nos anos em que regeu a “Jazz Tabajara”, Severino Araújo foi incorporando à orquestra os seus irmãos, que eram, também, excepcionais instrumentistas. Era um “nepotismo salutar”, como classifica Carlos Coraúcci, autor do livro “Orquestra Tabajara de Severino Araújo – A vida musical da eterna big band brasileira” (Companhia Editora Nacional, 2009). O primeiro a ingressar na orquestra foi Manuel, como trombonista, em seguida, com 16 anos, José, o Zé Bodega, que se tornaria um dos mais destacados sax-tenores do Brasil. Depois, entraram Plínio, trompetista e percussionista, e Jaime, saxofonista.
A excelência da “Jazz Tabajara” era comprovada pelos artistas em evidência na época que vinham se apresentar na capital da Paraíba e, depois, levavam as notícias sobre o grupo paraibano. Os convites para Severino Araújo se transferir para o Rio de Janeiro, capital e principal centro cultural do país, seriam inevitáveis.
Na noite do dia 24 julho de 1944, em apresentação realizada no Cine Plaza, no centro da capital paraibana, Severino Araújo regeu pela última vez a “Jazz Tabajara”. Ele e o trompetista Geraldo Medeiros haviam sido contratados para trabalhar no Rio de Janeiro. Em dezembro do mesmo ano, a convite de Severino Araújo, os irmãos Araújo e alguns integrantes da “Jazz Tabajara” deixavam a Paraíba para formar, no Rio, a Orquestra Tabajara, que se tornaria o mais duradouro grupo instrumental brasileiro.
A Orquestra Tabajara se tornou uma das principais orquestras do país em todos os tempos. Aos seus shows, bailes, festas de formaturas, carnavais e eventos diversos, sempre afluíram plateias imensas, o que explica a longevidade da orquestra. Em uma apresentação realizada no Rio, em 2003, segundo matéria do jornal O Globo, o maestro Severino Araújo foi ao microfone e anunciou: “Este é o baile de número 13.644”. E, de lá pra cá, já se passaram quase vinte anos e a Tabajara ainda continua em atividade.
Pela Orquestra Tabajara, além dos irmãos Araújo e de outros remanescentes da “Jazz Tabajara”, passaram grandes músicos como, entre outros, Paulo Moura, Ed Maciel e Juarez Araújo. A Tabajara teve como crooners intérpretes que, depois, se tornaram nomes de destaque na música popular do Brasil, como Ademilde Fonseca e Miltinho e, em determinado momento, a orquestra tinha como os seus dois cantores Elizeth Cardoso e Jamelão.
Severino Araújo, além da regência da Tabajara desenvolveu intensa carreira como arranjador e obteve grande sucesso, embora de forma anônima, entre o final dos anos 1950 e o começo da década seguinte, fazendo os arranjos e regendo os cultuadíssimos discos abolerados da orquestra de estúdio Românticos de Cuba.
Severino Araújo liderou a Orquestra Tabajara por quase 70 anos. O maestro faleceu, no Rio de Janeiro, em 2012, aos 95 anos de idade. Com a sua morte, assumiu a regência da orquestra o seu irmão Jaime Araújo. Atualmente, a Tabajara está sob o comando de Francisco Araújo, filho do grande maestro que, no final dos anos 1930, na “Jazz Tabajara”, a “Jazz da PRI-4”, criou o som da imortal big band brasileira.
A Orquestra Tabajara, seus notáveis músicos e o ambiente dos seus bailes foram retratados primorosamente por João Nogueira e Nei Lopes no samba “Baile no Elite”.
“Fui a um baile no Elite, atendendo a um convite
Do Manoel Garçom (Meu Deus do Céu, que baile bom!)
Que coisa bacana, já do Campo de Santana
Ouvir o velho e bom som: trombone, sax e pistom.
O traje era esporte que o calor estava forte
Mas eu fui de jaquetão, para causar boa impressão
Naquele tempo era o requinte o linho S-120
E eu não gostava de blusão (É uma questão de opinião!
Passei pela portaria, subi a velha escadaria
E penetrei no salão.
Quando dei de cara com a Orquestra Tabajara
E o popular Jamelão, cantando só samba-canção.
Norato e Norega, Macaxeira e Zé Bodega
Nas palhetas e metais (E tinha outros muitos mais)
No clarinete o Severino solava um choro tão divino
Desses que já não tem mais (E ele era ainda bem rapaz!)
Refeito dessa surpresa, me aboletei na mesa
Que eu tinha já reservado (Até paguei adiantado)
Manoel, que é dos nossos, trouxe um pires de tremoços
Uma cerveja e um traçado (Pra eu não pegar um resfriado)
Tomei minha Brahma, levantei, tirei a dama
E iniciei meu bailado (No puladinho e no cruzado)
Até Trajano e Mário Jorge que são caras que não fogem
Foram embora humilhados (Eu tava mesmo endiabrado!)
Quando o astro-rei já raiava e a Tabajara caprichava
Seus acordes finais (Para tristeza dos casais)
Toquei a pequena, feito artista de cinema
Em cenas sentimentais (à luz de um abajur lilás).
Num quarto sem forro, perto do pronto-socorro
Uma sirene me acordou (em estado desesperador)
Me levantei, lavei o rosto, quase morro de desgosto
Pois foi um sonho e se acabou
(Seu Nélson Motta deu a nota que hoje o som é rock and roll.
A Tabajara é muito cara
E o velho tempo já passou!)”