Dizem que perdoar é ato dos fortes. Não duvido, eis que guardar ressentimentos é bem mais comum em nosso comportamento. Ressentimento significa sentir novamente, e geralmente cultivamos o hábito de trazer aos nossos painéis mentais sentimentos negativos vivenciados em algum momento de nossas vidas, bem como as pessoas ou grupos que responsabilizamos por tais eventos.
Talvez por estarmos mais habituados a nos comprazer com a dor, decepção e mágoa, por algum atavismo cujos meandros não serão objeto desta reflexão, (por se tratar de assunto complexo e controverso), ou pelo simples fato de não cultivarmos com a mesma disposição a gratidão.
Talvez por estarmos mais habituados a nos comprazer com a dor, decepção e mágoa, por algum atavismo cujos meandros não serão objeto desta reflexão, (por se tratar de assunto complexo e controverso), ou pelo simples fato de não cultivarmos com a mesma disposição a gratidão.
Na terra, somos invariavelmente visitados por um número incontável de decepções e dores, desgostos, medos e frustrações, mas também por outro número, talvez bem maior de momentos de alegria, felicidade, conquistas, demonstração de amizades, solução de conflitos e êxito, em alguns inúmeros tentames.
Não nos referimos tão somente aos êxitos materiais, mas também as vitórias sobre nossos vícios, falhas e defecções.
Não temos a pretensão de analisar com profundidade e/ou abordar a necessidade do perdão, como proposta religiosa, ou de evolução espiritual, na busca da passagem para um céu, nirvana ou paraíso, a depender da cultura. Mas tão somente pelo prisma da saúde mental, física e emocional.
Na prática do ressentimento, cultivamos invariavelmente a mágoa, que etimologicamente quer dizer má água. Se observamos o percurso de um córrego ou fonte cristalina, os movimentos do mar ou dos rios, percebemos que os mesmos, além da beleza e fonte de nutrição e hidratação, carrega em suas entranhas uma variedade de seres vivos, quer sejam vegetais, minerais ou animais, e pela força do movimento arrastam, para suas profundezas, ou para superfície, os corpos mortos, carregados de vibriões, larvas, fungos e bactérias.
Pelo contrário, a água parada, serve de reserva de insetos, animais e vegetais mortos, que certamente têm sua função em a natureza, mas geralmente causa inúmeros males à saúde e bem estar do homem.
A mágoa, pode ser associada a um pântano ou lago, com suas águas, pestilentas e insalubres, e em alguns casos, periculosas, como as que estão carregadas de lixos tóxicos ou resíduos indústrias, causando enfermidades, deformações fetais e morte. E estas condições são agravadas pela ausência de movimento, ou seja, por estarem paradas. O ressentimento, que vem posteriormente à mágoa, apresenta uma estrutura funcional semelhante. De tanto trazermos à nossa mente imagens de eventos dolorosos, traumáticos e frustrantes, bem como a raiva das pessoas eventualmente partícipes ou causadoras desses eventos, essas imagens se sedimentam dando lugar à mágoa que, à semelhança de ferrugem, ou qualquer elemento cáustico, vai, aos poucos, corroendo nossas resistências físicas, mentais e emocionais.
Quando nos dispomos a perdoar, ou seja, desculpar ou compreender os limites do outro, tentando resignificar a dor que causou o trauma, fazemos um movimento análogo ao dos rios e mares, jogando para a supercie de nossa consciência, iniciando um processo de recolhimento daquele lixo mental que hora nos intoxica. Ou jogamos para as profundezas de nossa memória, de forma a não permitir que a dor seja experienciada cada vez que à lembrança visite nossos painéis mentais.
Não se trata de processo fácil, portanto não podemos nos iludir e realçar essa dor, fazendo uso de muletas psicológicas que podem vir a piorar nosso quadro, podendo, num momento ou outro, quebrar as comportas que impediram o escoamento dessas águas e causar um destrambelhamento em nossas já frágeis resistências, levando-nos às fugas espetaculares, através do abuso de drogas lícitas ou ilícitas, sexolatria, entretenimentos perigosos ou isolamento social, e até mesmo ao autocídio, ou suicídio.
É um processo que exige, vontade, perseverança e calma, eis que na natureza nada acontece de assalto.
Se o outro não aceitar o nosso perdão, não nos diz respeito, posto que perdoar nos tirará dos grilhões do ódio ou da mágoa, e essa alforria é pessoal, não dependendo da aprovação ou aceitação do outro.
Também não significa que refaçamos os líamos que foram quebrados, ou desrespeitados, ou que esqueçamos o ocorrido, afinal não se trata de amnésia ou Alzheimer, mas tão somente de deixar o evento no passado, lugar de onde nunca deveria ter saído.
Caso seja necessário, procuremos ajuda profissional ou mesmo religiosa, isso claro, sem fanatismo ou candidatura à santificação, para não adentrarmos num processo também grave, que é o da negação ou hipocrisia, pois esse tipo de ferrugem corrói nossa estrutura psíquica de dentro para fora, e não o contrário.
Viver é preciso, e viver de forma leve, sem mágoa ou ressentimentos desnecessários.
Vânia de Farias Castro é advogada e poetisa