O sujeito que teve a infeliz ideia de botar aqueles quiosques nas praias de Tambaú e Cabo Branco detesta o mar. Veja: com o estacionamento de veículos do lado da calçadinha (apesar da ciclovia) e o paredão formado pelas “ilhas” de quiosques, quem passa de automóvel ou de ônibus, ou mesmo quem caminha na calçada, não consegue enxergar direito a grande estrela do local - o mar.
Ao contrário do que acontece em todo lugar do mundo, optamos por esconder o mar, a maior atração da orla, exatamente o que temos de mais precioso para mostrar ao turista. Pode observar: há duas praias no trecho entre o antigo Largo da Gameleira e o final da Avenida Cabo Branco.
Uma, nem pode ser chamada de praia, é a imagem do caos, cheia de obstáculos e corpos estranhos de toda espécie, barulho e sujeira. A outra, completamente diferente, vai da Fundação Casa de José Américo ao pequeno girador do final da Avenida Cabo Branco: mar, areias brancas, coqueiros e tranquilidade. É nesse trecho que se pode caminhar em paz, respirar ar puro; contemplar, curtir e enxergar livremente o mar, o horizonte, e até reunir a família para uma noite de lua cheia.
O fato de morar há mais de quinze anos no Cabo Branco e de caminhar todos os dias, de manhã e de tarde, me permitiu fazer descobertas inquietantes, coisas que não são percebidas por quem mora noutro lugar e vem aqui apenas de passagem. Uma delas: com os quiosques, a iluminação artificial e a agitação normal dos bares e eventos, as aves marinhas desapareceram e os animais que precisam da beira-mar para sobreviver estão sendo mortos cruelmente, todos os dias.
O homem acabou transformando a natureza num ambiente hostil a ele próprio e a todos os seres vivos, indistintamente. No Cabo Branco, sem encontrar mais frutas para comer (qualquer pedaço de terra está virando construção), os saguis se equilibram na fiação dos postes em busca de restos de comida no lixo dos bares. Todo santo dia, é grande a mortandade de "marias-farinhas" desorientadas pela iluminação feérica e esmagadas pelos carros no asfalto.
Agora, só se vê pombos e pardais na orla, aves típicas de ambientes sujos, retrato vivo do desequilíbrio ecológico. Junto com a prostituição, as drogas e a bebedeira sem fim, ratos, baratas e, na época chuvosa, caramujos africanos também tomaram conta do pedaço. Sem falar nas muitas “comunidades” de moradores de rua, que moram literalmente na areia, como aquele personagem da famosa canção de Dorival Caymmi.
Com o estímulo dos fabricantes de bebida, a extensa “muralha” de bares acabou induzindo as pessoas a um hábito perigoso. Hoje, quase ninguém vem mais à praia para se divertir. Vem para encher a cara e fazer confusão, inclusive “pegas” em carros e motos, altas horas da noite. E o que é pior: esse é o comportamento de pessoas de todas as idades, homens e mulheres, jovens e adultos.
Pediria apenas uma coisa às autoridades competentes, todas elas: vamos descobrir o mar de Tambaú e Cabo Branco. Vamos devolver o mar aos olhos dos moradores e visitantes da cidade, ao convívio do chamado povo em geral.
E façamos isso urgentemente, antes que o nosso principal cartão postal se torne uma imensa fossa a céu aberto, algo como o antigo Mercado Central nos seus piores dias. Penso que é uma medida fácil de ser tomada, como foi fácil descobrir o mar de Manaíra...
PS - Para os antigos romanos, “a orla marítima é um bem de uso comum do povo, não podendo ser vendido ou comercializado, enquadrando-se no rol dos bens fora do comércio”.