Os primeiros portugueses que chegaram ao Brasil, no final do século XV e início do XVI, não tinham a intenção de se fixarem no lugar que, segundo o relato de um deles, não produzia nada mais do que um “pau vermelho, a que chamamos brasil”, macacos e papagaios, embora aquele “pau vermelho” fosse, na época, uma madeira de grande valor comercial pela sua utilização como material corante na indústria têxtil.
A notícia de que nas novas terras de Portugal havia abundância da madeira para fazer tinta não deixou de despertar a cobiça de uma florescente indústria de tecidos que existia no norte da França. A propriedade das terras do Brasil pelos portugueses havia sido estabelecida em um tratado firmado entre Portugal e o reino de Castela e que teve a sanção do Papa que, naquela época, exercia um poder quase universal. Os franceses eram governados por reis católicos o que, em tese, os obrigava a se submeter às determinações papais e, neste caso, respeitar os domínios lusitanos.
Mas não foi assim que sucedeu. Na narrativa do grande historiador Capistrano de Abreu, “com a chegada dos portugueses coincidiu quase, a dos franceses, que começaram logo o mesmo comércio de resgate”. Como, nos primeiros tempos, não havia da parte dos ibéricos a intenção de colonização das terras brasileiras, a madeira que era extraída, os animais apreendidos e os produtos considerados exóticos coletados eram reunidos para embarque em lugares próximos de cais naturais, onde eram construídas palhoças rústicas ou ranchos toscos em locais que ficaram conhecidos como feitorias.
Durante as primeiras três décadas do século XVI, mercadores portugueses e contrabandistas franceses exploraram o litoral do Brasil no trecho que ficou conhecido como a Costa do Pau-Brasil, na qual estavam incluídas as terras da Paraíba, onde havia excelente madeira para tinturaria, que dava “5 tintas” ao contrário das “2 tintas” dos paus encontrados em outras regiões, conforme escreveu um padre jesuíta. As crescentes investidas dos contrabandistas franceses naquela faixa litorânea levou Capistrano de Abreu a escrever que “durante anos ficou indeciso se o Brasil ficaria pertencendo aos Péro (portugueses) ou aos Mair (franceses)”, como os dois grupos eram diferenciados na língua dos nativos.
Frustradas as ações em coibir o contrabando através do combate aos franceses e, na iminência de perder o controle sobre suas terras, Portugal resolveu, em 1534, dividir o território em lotes, transferindo-os para exploração por particulares. Com essas cessões territoriais, no modelo de capitanias hereditárias (que já fora usado nos Açores e na Madeira), iniciava-se, efetivamente, em pontos esparsos do litoral, a colonização do território brasileiro. A ocupação das terras sem que houvesse uma governança centralizada mostrou-se, após quinze anos da sua adoção, inviável. Apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco prosperaram. Em algumas delas, como foi o caso de Itamaracá (onde estavam as terras da Paraíba), o donatário e os seus descendentes nunca colocaram os pés, sendo a capitania administrada através de prepostos.
Com o insucesso da exploração do território através do sistema de capitanias, o rei português D. João III decidiu adotar, em 1549, um Governo Geral para o Brasil, com sede na Bahia. Até aquele momento, quase todas as edificações que haviam sido construídas na colônia eram precárias, feitas de taipa, com a utilização de técnicas e materiais nativos, como palmeiras e sapés. Na descrição do cronista contemporâneo Gabriel Soares de Sousa as habitações dos primeiros colonos eram “casas cobertas de palma ao modo do gentio”. Os relatos históricos registram raras construções de pedra e cal antes da chegada, em março de 1549, de Tomé de Souza, o primeiro Governador designado para o Brasil.
A provisão real recebida por Tomé de Sousa determinava “nas ditas terras (Bahia) fazer uma fortaleza e povoação grande e forte”. A expedição comandada pelo Governador Geral trazia, além de colonos, um grupo que seria encarregado das construções a serem feitas: 14 pedreiros, 8 carpinteiros, caiadores e taipeiros. Comandava essa equipe especializada Luís Dias, cavaleiro da Casa Real, que há vários anos vinha exercendo o cargo de “Mestre das Obras de Pedraria” no reino e fora designado “Mestre das Obras da cidade do Salvador”.
O regimento que Tomé de Souza recebeu determinava, também, que a fortaleza e a povoação deveriam seguir as traças (plantas planimétricas) e amostras (plantas com elevações) que haviam sido elaboradas, em Lisboa, por Miguel de Arruda, Mestre das Obras dos muros e fortalezas do continente e do ultramar. Para o historiador português Rafael Moreira, com o início das construções na cidade do Salvador:
“pela primeira vez transplantava-se para o outro lado do Oceano uma capital inteira [...] verdadeira capital planeada à escala do novo Estado que se pretendia construir, com os seus 64 ha de área amuralhada [...] maior do que Évora (50 ha) e quase o dobro do Porto (47 ha) [...] o fato é que o projeto de Miguel de Arruda executado por Luís Dias era algo de porte, visando dotar a nova cidade de todos os equipamentos básicos para sua existência – no mínimo, muralha, Casa de Câmara e Cadeia, Palácio dos Governadores Gerais, alfândega, ‘teracenas’ (armazéns reais) e pequenos redutos ou ‘estâncias’ dotados de artilharia pesada”.
O projeto e a execução das obras em Salvador foram fruto do conhecimento empírico da época, que havia sido transmitido por gerações de mestres para aprendizes, já que a engenharia com base científica somente começaria a surgir, no século XVII, com os estudos de Galileu sobre a resistência dos materiais. Apesar dessa ressalva, não se pode deixar de considerar a atuação de Luís Dias, durante os dois anos em que ele permaneceu na Bahia, como o marco inicial da Engenharia e da Arquitetura no Brasil, ao tempo que essas especializações ainda se confundiam. Segundo o historiador Luís de Albuquerque, no seu livro “Para a História da Ciência em Portugal” (Horizonte/Lisboa, 1973), no final do século XVI chegava a haver “hesitações na atribuição dos títulos de engenheiro e arquiteto”.
O certo é que os arquitetos brasileiros se anteciparam aos engenheiros e elegeram Luís Dias como o decano da profissão no Brasil, ao que tudo indica por inspiração de Rodrigo Melo Franco de Andrade, que no seu livro “Artistas Coloniais” (MEC, 1958) designou o “Mestre das Obras” de Salvador como “o primeiro dos nossos arquitetos”. Esse título foi, em seguida, confirmado pelo norte-americano Robert C. Smith, respeitado pesquisador da arquitetura colonial brasileira, e, depois, revalidado nas obras dos historiadores e professores de arquitetura Paulo Santos (Formação das cidades no Brasil Colonial, UFRJ, 2015) e Américo Simas Filho (“A propósito de Luís Dias Mestre das obras do Salvador e Decano dos Arquitetos Brasileiros”, Fundação Gregório de Mattos, 1998).