Quem conta a história é Gertrude Stein. A escritora americana de estilo personalíssimo e que viveu em Paris, como tantos outros conterrâneos seus, na primeira metade do século XX. Ela conheceu e foi amiga de Picasso no início de suas carreiras e sobre o pintor espanhol escreveu um ensaio, publicado no Brasil em 2016, pela Editora yiné. O ensaio intitula-se simplesmente Picasso, como se não precisasse dizer mais nada. E não precisava mesmo.
Conta a companheira de Alice B. Toklas que, naqueles começos do século passado, em Paris, um amigo de Picasso construiu uma casa moderna para si e teria sugerido ao pintor que ele também mandasse construir uma casa
Gertrude Stein explica assim a resposta de Picasso: “ ... um criador é tão completamente contemporâneo que ele parece estar à frente de sua geração e para se acalmar em sua vida cotidiana, deseja viver com as coisas do dia a dia do passado, não deseja viver como um contemporâneo, como os contemporâneos que não se sentem comovidos por serem contemporâneos. Parece complicado mas é bastante simples”. Será? - pergunto eu.
Esta história trouxe-me à mente Gilberto Freyre. Ele também poderia ter mandado construir para si uma casa “moderna”. Em 1940, o Recife, metrópole regional, já devia ter vários exemplares desse estilo arquitetônico. Mas não. Ele preferiu comprar a antiga casa-grande do engenho Dois Irmãos, no tradicional bairro de Apipucos, mandou restaurá-la e nela viveu gostosamente até morrer velhinho. Nela, cercou-se praticamente só de antiguidades: móveis centenários de jacarandá, quadros, livros, imagens de santos barrocos e para completar revestiu uma das salas com autênticos e históricos azulejos portugueses, trazidos de Portugal com especial autorização do governo daquele país. Será essa uma característica dos gênios? Talvez, mas não de forma exclusiva, parece-me.
FJN
O desprezo – ou a indiferença – com que nossos políticos têm tratado ao longo das décadas nosso degradado Centro Histórico tem muito a ver com isso. Para a maior parte deles aquilo lá trata-se apenas de velharias; melhor seria, para eles, derrubar tudo e construir prédios novos, novíssimos, como diria o agregado José Dias, célebre personagem superlativa de Machado de Assis, em Dom Casmurro.
E o interessante é que o novo e o antigo podem perfeitamente conviver em plena e bela harmonia, se combinados com bom gosto e bom senso, ou seja, com sabedoria. Um toque de novo no antigo e vice-versa, eis uma mistura que normalmente dá certo. Mas muitos resistem.
Arq Nacional
Como se vê, o assunto dá pano para as mangas, e é mais profundo que raso, pois aqui, esclareça-se, não estamos a falar nem de arquitetura nem de decoração. Que o leitor reflita e tome posição. De minha parte, fico com a boa companhia de Picasso e Gilberto Freyre, sem rejeitar inteiramente as novidades, claro. E quanto a Xuxa, imagino que ela já deve ter trocado de casa mais de uma vez; afinal, ela só gosta de coisas novas, novíssimas.