Neste mês de fevereiro está sendo comemorado o centenário da Semana de Arte Moderna, evento que se deu no Teatro Municipal de São Paulo, sob a liderança do escritor Mário de Andrade, e que pretendeu, digamos assim, inaugurar o modernismo literário e artístico na Terra Brasilis. Sei que muito será escrito e publicado a respeito. E com razão, já que se trata realmente de data importante de nossa história cultural, a despeito das controvérsias inevitáveis. De minha parte, como forma modesta de participar do momento, escolhi comentar sucintamente a visita do célebre Andrade à Paraíba, nos idos de 1929, portanto ainda sob o eco do movimento por ele liderado.
Minha base de dados é o livro Mário de Andrade, fotógrafo e turista aprendiz, uma publicação do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo que reúne fotografias e textos do escritor sobre
“Tomei banho, me vesti, etc. fui jantar, voltei pro quarto arear os dentes, ver no espelho se podia sair pra um passeinho até a praia de Tambaú, mas fiz tudo isso aranha. Quero dizer: a aranha estava qualificando a minha vida, me inquietava enormemente”.
Mário de Andrade (segundo à esquerda), em sua visita ao Nordeste, acompanhado de José Américo de Almeida (centro) ▪ fevereiro/1929
Voltando ao quarto para dormir, a aranha o aguardava. Apesar de tudo, adormeceu. Quando despertou, “A aranha estava sobre mim, enorme, lindos olhos, medonha, temível, eu nem podia respirar, preso de medo.
Janeiro/1929 ▪ Ademar Vidal e Mário de Andrade, em sua visita à Paraíba.
Mais adiante, o livro traz uma foto tirada em Catolé do Rocha, mostrando um conjunto de casas e uma edificação maior chamada de “Convento”. Vejamos o texto correspondente:
“Era um domingo e na igrejinha branca, admirável pela harmonia da sua fachada sem torres, a procissão entrava. O céu estava negro de nuvens que não se resolviam a chover sobre a terra, e apenas do lado do poente, uma nesga de céu limpo deixava uns últimos raios de sol focalizarem, para efeitos da fotografia que encima estas evocações, a igreja e as casa da sua direita, no imenso largo vazio. No alto do morro, uma capelinha votiva também gritava muito espevitadamente o seu branco sem poeira, como um defeito de película fotográfica. E as casas coloridas, encarnadas, azuis, verde, limão, brincavam, numa esperança de alegria, com o ambiente feroz”.
Catolé do Rocha, 1929 ▪ Fotografia de Mário de Andrade ▪ Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
Por último, a seguinte anotação: “Paraíba tem antiguidades arquitetônicas esplêndidas. Algumas como boniteza, outras só como antiguidade. E já falei que o convento de S. Francisco é a coisa mais graciosa da arquitetura brasileira. Dantes possuiu um subterrâneo enorme, no tempo do holandês, comunicando com a fortaleza de Cabedelo. No subterrâneo vivia um dragão que comia as crianças de medo”. Novamente o fantástico comparece à escrita andradina, misturando fantasia, folclore, antropologia e criatividade, bem de acordo com o criador do “herói sem nenhum caráter”.