O historiador Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins dá a lume o livro Uma contribuição para os primórdios da História dos Beneditin...

Mais do que uma contribuição

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O historiador Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins dá a lume o livro Uma contribuição para os primórdios da História dos Beneditinos na Paraíba (João Pessoa, MVC Editora, 2019), em edição ilustrada com gravuras do século XVII e fotografias atuais, conforme consta na informação da capa. Ordem que chegou nesta terra Brasilis, desde o final do século XVI, quando aportaram na Cidade do Salvador, Capitania da Bahia, em 1581. Daí, foram para São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1586; em seguida,
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para Olinda, em 1592, datando de 1595, a chegada à Cidade Filipeia de Nossa Senhora das Neves, “cabeça da Capitania da Paraíba”. Só, então, fazem pouso em São Paulo, no ano de 1598 (p. 37).

O livro é mais do que uma contribuição, conforme se encontra no título. Trata-se de obra fundamentada em sólida documentação, que requer do pesquisador um trabalho árduo, tendo, inclusive, que recorrer “ao penoso labor da leitura paleográfica”, (p. 54), de modo a organizar os dados e transformá-los em informação. Trabalho mais árduo ainda, quando vemos que o autor se desdobra na pesquisa, abrindo duas veredas permitidas pela documentação existente: a da construção do Mosteiro e a da aquisição de bens materiais da ordem, na Paraíba.

Qual a importância deste estudo? A citação abaixo nos mostra as razões suficientes, que movem o desejo do historiador, no sentido de começar um trabalho de sistematização sobre esses religiosos na Paraíba:

“[...] dentre as Ordens religiosas regulares estabelecidas na Paraíba, ao longo dos primeiros tempos da sua colonização, desde o final do Século XVI até o início do Século XVII, a dos Beneditinos, por certo, fez-se a mais abastada delas do ponto de vista patrimonial e também a mais pródiga em termos documentais legados à posteridade” (p. 38)

Quisera, ainda, o autor enveredar pelo caminho da ação “evangelizadora e missionária” dos Beneditinos na nossa terra, mas a falta de documentação nessa área não lhe permitiu expandir o estudo, o que ele considera “o calcanhar de Aquiles” de seu trabalho (p. 39).

No decorrer da pesquisa, Guilherme d'Avila Lins vai descobrindo e desfazendo equívocos, guiando o leitor com didatismo utilizado como método de explicação e retificação das informações – “Analisemos, pois, progressivamente, esses enganos” (p. 62); “A partir de agora apresentarei as provas documentais” (p. 68); “Continuemos, pois, o arrazoado anterior” (p. 76) –, ordenando cada fato no
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Guilherme d'Avila Lins
momento de sua exposição, de maneira a não deixar dúvidas.

Um dos fatos explicado com ampla documentação é que o Mosteiro de São Bento da Paraíba foi uma abadia, comprovação inequívoca diante da existência comprovada “dos cerca de cem abades”, assinalando “apenas os já bem identificados ao longo do tempo” (p. 75), tendo em Frei Matheus da Assunção, O. S. B., no ano de 1624, o mais antigo abade (p. 74).

O trabalho de ir aos documentos primários, como os manuscritos, e submeter-se à difícil leitura paleográfica, é uma necessidade fundamental para o historiador, tendo em vista que transcrições malfadadas, cochilos de copistas ou mesmo dados constantes nos manuscritos podem ser contestados, quando em confronto com outras informações. A primeira preocupação de Guilherme d'Avila Lins, neste caso específico, foi a de estabelecer a datação da chegada dos Beneditinos à Paraíba, com a aquisição do terreno para a construção do mosteiro. A partir daí, o estudo vai perseguindo o início das obras, a sua paralisação por motivos vários, dentre elas uma ordem do rei D. Felipe III de Espanha e Felipe II para Portugal, o que se dá antes de 1612, e a conquista da cidade pelos neerlandeses, com a ressalva de que, no momento da invasão neerlandesa, em 1634, “estava sendo iniciada uma nova versão arquitetônica” do mosteiro (p. 84).
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Igreja e Mosteiro de São Bento ▪ Parahyba do Norte ▪ 1957 IBGE
Guilherme assinala o reinício da construção a partir de 1655, após a expulsão do invasor, além da ocupação do espaço pelas tropas da revolução republicana de 1817 e, uma vez sufocada a rebelião, restou o mosteiro ocupado pelas tropas realistas, que só a devolveriam em 1832. Os trabalhos, portanto, se alongaram por dois séculos.

O importante nesta pesquisa, que traduz o valor do livro, é a constatação de que o mosteiro passou por vários momentos na sua construção, fazendo surgir a informação inédita de que houve uma forma arquitetônica primitiva, que vai do início do século XVII à invasão neerlandesa, e uma segunda versão arquitetônica, a partir da segunda metade desse século, alongando-se até o início do século XIX.

Quando resolve abordar a evolução patrimonial da Ordem de São Bento, na Paraíba, Guilherme d'Avila Lins expõe, mais uma vez, o seu cuidado metodológico: o que parece repetição de informação é, na realidade, uma necessidade didática. Não há como o historiador ou quem se dedica ao trabalho de leitura de texto fazer a sua análise, sem a devida contextualização. Para tanto é necessário, como diz Guilherme, “repisar alguns pontos já anteriormente abordados”, se o pesquisador busca a conexão das informações, tendo diante de si “exuberante documentação coeva” (p. 99). A conclusão é que a Ordem de São Bento adquiriu, como nenhuma outra, muitos “bens de raiz ao longo do respectivo processo de estabelecimento nesta terra” (p. 122), tendo sido devidamente elencados os que se encontravam documentados.

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IPHAN
Chamo, ainda, a atenção para dois fatos importantes. O primeiro é o que nomearei “efeito colateral bom”, para aqueles que, embora interessados, são leigos no assunto, como é o meu caso. Da documentação farta levantada por Guilherme d'Avila Lins vão surgindo informações que interessam aos estudiosos de língua. Como são vários os exemplos, ater-me-ei a alguns. Comecemos com o reparo etimológico do nome da localidade Boi Só. O nome provém do tupi mboyaçu, que deu Boiçó e, depois Boi Só. A palavra tem o sentido de cobra grande ou jiboia grande (p. 102).

Vemos em seguida, os vários nomes que a ilha da Restinga teve, dentre eles, um que se refere aos frades da Ordem, que a havia adquirido: ilha da Conceição, ilha da Camboa, ilha dos frades de São Bento ou ilha dos frades, ilha da Restinga (p. 128); a informação sobre a primeira Casa da Câmara da Cidade de Filipeia de Nossa Senhora das Neves, que funcionou até 1612,
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IBGE
na esquina da Rua Nova (atual General Osório) com a Ladeira da Borborema, em terreno que hoje é uma extensão do Mosteiro de São Bento (p. 139-140); o esclarecimento de que a cidade de Lucena deve seu nome ao proprietário das terras naquela localidade, Domingos de Lucena (p. 140), e que o nome da cidade do Conde é oriundo do “Governador e Capitão General D. Marcos [José de Noronha Brito], 6º Conde dos Arcos (1746-1749)”, chamada, incialmente, Vila do Conde (p. 154).

O segundo fato importante diz respeito ao manuseio de documentos. O pesquisador deve ter o cuidado de saber que mesmo documentos primários podem e devem ser confrontados. Guilherme nos dá uma boa lição sobre isto ao procurar esclarecer a confusão da data de 1611, em um dos documentos, corrigindo-a para 1612, quando feita a confrontação com outro. A data refere-se à compra de um terreno e sua doação à Ordem dos Beneditinos:

“Dessa maneira, fica óbvio que aquele pequeno terreno urbano situado na antiga Rua Nova da Cidade Filipeia de Nossa Senhora das Neves, comprado pelo Capitão-Mor e Governador Francisco Coelho de Carvalho no dia 09 de fevereiro de 1612, não podia ter sido doado por ele aos Beneditinos da Paraíba no dia 29 de outubro de 1611, razão pela qual tive que avançar esta última data em um ano, ou seja 29 de outubro de 1612” (p. 130).
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Até aí Guilherme nos revela que o equívoco pode ter ocorrido “de leitura paleográfica do copista ou do linotipista” (p. 129). Continuando a sua argumentação em favor da mudança das datas, Guilherme não escapa à maldição da “gralha” tipográfica, na página 132, quando se referindo à escritura de doação do terreno, aponta a data de 29 de outubro de 1912... É a ironia que persegue quem escreve e de que todos somos vítimas, uma vez ou outra. Ao leitor atento, a informação, no entanto, é logo corrigida na sua mente, mantendo o brilho do livro e a sua criteriosa metodologia.

Enfim, reitero que, mais do que uma contribuição, o livro de Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins é daqueles que deixa a Paraíba órfã sem a sua existência.

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  1. Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins é um dos mais importantes pesquisadores da história colonial brasileira. Este livro é mais uma demonstração do inestimável valor da sua obra.

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  2. Com a palavra, nosso cronista José Nunes.

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  3. Bom dia, Como faço para comprar esse livro?

    Att,
    Paulo Rogério

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