A partir da atual pandemia a morte parece ter se banalizado tanto, tantas têm sido as perdas recentes, por conta da covid ou não. Parece ter a “indesejada das gentes” se instalado em nosso cotidiano como coisa corriqueira, despida do impacto que costumava acompanhá-la, pelo menos no nosso caso de ocidentais pouco educados para enfrentá-la como o fenômeno natural que é, e a despeito da milenar pregação cristã sobre a ressurreição e a vida eterna. Parece, apenas parece. Porque quando o desaparecimento de alguém próximo nos atinge, seja qual for a causa da partida, nos quedamos sem palavras – ou quase isso -, como se toda a racionalidade e todo o hábito cedessem lugar, completamente, ao puro sentimento da perda imensa.
Sim, é assim e, penso, não poderia ser diferente. Porque a morte anônima ou distante nos fere menos profundamente; nela estamos envolvidos apenas pela solidariedade que nos faz comungar do sofrimento alheio, característica de nossa humanidade. É assim nos casos de grandes catástrofes, das guerras, tudo aquilo que nos chega pelos meios de comunicação. Sentimos e nos solidarizamos em silêncio, sem dúvida. Mas é diferente quando o pesar bate diretamente à nossa porta, golpeando diretamente nosso coração.
Essa pesarosa experiência vivi agora com o súbito desaparecimento de Giacomina Magliano de Morais, amiga doce e querida que nos deixou sem alarde, tão discretamente como sempre viveu, elegante até o fim. Dela, pode-se dizer que foi realmente uma grande dama, na verdadeira e elevada expressão da palavra, mesmo que nunca tenha cultivado vida social, no sentido mundano habitual. Sua formação acadêmica e intelectual, como professora universitária na área de Serviço Social, e provavelmente seu temperamento reservado a afastaram dessa dimensão mais fútil da vida, guardando-a para as coisas realmente essenciais, as que importam, como a família, o trabalho e a assistência aos mais necessitados, esta última intimamente ligada à sua bela profissão.
Conheci-a primeiramente como professora da UFPB. Quantas vezes tive a oportunidade de atendê-la na Procuradoria Jurídica, aonde ia buscar orientação para melhor atuar nos seus deveres de magistério e de administração. Sempre preocupada com a legalidade dos seus atos, como se lhe fosse impossível agir ao arrepio da lei, mesmo nas mínimas questões. Eram assim a sua natureza e o seu caráter. Probidade à toda prova. E sempre agindo e falando com doçura, a voz baixa dos naturalmente educados, a discrição dos elegantes de verdade.
Depois, os caminhos da vida e as relações de parentesco não consanguíneo nos aproximaram mais um pouco, agora com mais afeto – e mais admiração -, como costuma acontecer quando a convivência se torna mais frequente e as pessoas se conhecem melhor. E devo ressaltar que a maior intimidade só fez aumentar meu apreço por ela, o que nem sempre acontece nesses casos.
Seu clã familiar – os Maglianos – faz parte das famílias italianas que vieram para a Paraíba em fins do século XIX e começos do século XX, uma gente valorosa e empreendedora que muito contribuiu e continua contribuindo para o desenvolvimento econômico e social de nosso Estado. Seu saudoso irmão Álvaro foi político muito atuante na Capital, vereador e deputado estadual por vários mandatos, apaixonado pelo nosso Botafogo, enfim, uma figura que, ao seu modo, marcou sua época.
E como não lembrar de seu também saudoso esposo, o ilustre médico Mazureik Morais, de grande renome em nossa cidade, profissional de vasta e fiel clientela, e um dos líderes fundadores do antigo MDB, partido a que se manteve leal até o fim, numa bela demonstração de dignidade política, sempre acima e além das eventuais conveniências pessoais. Com ele, ela formou um dos casais mais distintos da sociedade paraibana, não a que brilha nos jornais, mas a verdadeira, a que é formada exclusivamente pelo mérito intrínseco dos seus componentes, independentemente de razões acidentais ou efêmeras.
Sei que falo por muitos e muitas quando afirmo, sem nenhuma dúvida, que a doce Giacomina fará muita falta aos que a conheceram e amaram.