O que mais me inquietava (talvez mais do que a ele) era a postura na cadeira de rodas. Em pleno passeio e caminhadas na praça. Cooper, o cientista idealizador do exercício em bater pernas sem destino certo, marcando o passo na passarela do relógio ou cronômetro, duas, três voltas circulantes ou dispersas por becos e ruas, não pensou nos imobilizados.
Por doença ou por outro motivo. Sei que há preguiçosos, os que torcem pelo tempo nublado, consultando o céu se nebuloso, ameaçador ou sorridente em sol e estrelas. Limpo ou não. Há outros (conheço gente longeva de oitenta quilômetros) que circulam em pés de menino jovem coroados pela inevitável careca. Mas, o paraplégico me tirava o ar ou oxigênio da graça e desligava minha vontade em cumprir as três ou quatro voltas que ainda dou.
Também encontro os assistidos pelas muletas, os claudicantes, porém esses, mesmo vagarosos, em ritmo lento (o que é natural) perseguem a rota cimentada entre árvores visitadas por passarinhos circunstantes; a perna sã em plena conveniência e sincronia com o movimento da outra amortecida por algum motivo indesejável, porém real e merecedor de superação. Louvável – um deles não perde a oportunidade de um dia límpido e bonachão em estio.
Há também os que carregam rádios, o som abafado nos ouvidos, a escutar música ou noticiários. Mas me inquieta a volta que me faz deparar com o cadeirante. Ele não é triste, rodeado de conhecidos, gente da família, espreita e se deleita com a atmosfera movimentada, azáfama de crianças sorrindo, nos arremessos perigosos dos skates, e comenta consigo mesmo a alegria em contemplar a fuzuê, o variado desfile de pessoas em bermudas, uns com os cabelos tingidos de branco, outros ocupando bancos (alguns em pleno namoro) que, hoje, o beijo não é para ser trancafiado em momentos de sombras, por trás de portas ou morais ultrapassadas.
Não, os enamorados externam seus carinhos sem policiamento. E se o há, pouco estão ligando. Sei que ele se diverte, malgrado a condição irreversível a que se subordinam seus membros. Não me penaliza, nem o acho um coitadinho, mas me inquieta ver um homenzarrão daqueles, em porte atlético, sem poder fazer o cooper, ser companheiro de todos os que exploram o piso, se livrando de galhos insinuantes de árvores mal podadas.
Nunca perguntei, nem o faria, mas (quem sabe?) Teria na estante um troféu de maratona, uma medalha de campeão, etc. Talvez de nascença ou de acidente, estava ali, observador dos passantes vagarosos ou apressados por atingir a meta. Agora, o vejo movimentando o carro onde se senta, para na esquina, observa antes de cruzar a rua. Amanhã, decerto virá.
Embora o entardecer comece a enfaixar a claridade com suas ligas soturnas, ele dá um aceno e segue à sua morada.