A morte do corpo físico, ou desencarnação segundo a terminologia espírita, pode apresentar alguns temores, em decorrência da interpretação transmitidos por tradições religiosas ou por educação familiar, a despeito de ser a desencarnação um fenômeno natural e inevitável. Na verdade, a verdadeira vida não é a que transcorre no plano físico: “A vida espiritual é, realmente, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito; sua existência terrestre é transitória e passageira, espécie de morte, se comparada ao esplendor e atividade da vida espiritual. O corpo não passa de vestimenta grosseira que reveste temporariamente o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual ele se sente feliz em libertar-se.[…].”
Entendemos também que, ainda que pesem as superstições, fantasias e desinformações a respeito do fenômeno da morte do corpo físico, o temor da morte pode ser relacionado a dois fatores principais: ignorância a respeito da vida no além-túmulo e medo ─ em geral vinculado a processos de culpa ou de remorso pela lembrança de atos cometidos durante a existência física. Allan Kardec, esclarece que durante “ […] a vida, o Espírito está preso ao corpo por seu envoltório semimaterial ou perispírito. A morte é apenas a destruição do corpo, e não a desse segundo envoltório, que se separa do corpo quando cessa neste a vida orgânica. […].”
E prossegue em suas elucidações:
A observação comprova que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se completa subitamente; que se opera gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme os indivíduos. Em uns é bastante rápido, podendo-se dizer que o momento da morte é também o da libertação, que se verifica logo após; em outros, sobretudo naqueles cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido, durando algumas vezes dias, semanas e até meses, o que não implica a existência, no corpo, da menor vitalidade, nem a possibilidade de um retorno à vida, mas simples afinidade entre o corpo e o Espírito, afinidade que sempre guarda relação direta com a preponderância que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. […].
É necessário, portanto, e em benefício do estado de felicidade e paz que almejamos desfrutar no Além–Túmulo, com a desencarnação ou com a perspectiva dessa, esforçamo-nos para pôr em prática um plano de vida pautado, principalmente:
a) execução de deveres individuais e coletivos, junto à família e à sociedade
b) educação moral, fundamentada em valores éticos, favorecedora do desenvolvimento de virtudes.
São condições que afastam os temores da morte, pois conduzem o indivíduo a um certo grau de harmonia íntima, de paz da consciência. Dessa forma, sacrifícios e ações no bem, executados junto à prole e familiares; qualquer auxílio que possa beneficiar os que nos cercam, conhecidos ou desconhecidos; o desprendimento das coisas e bens materiais, traduzem-se como poderosos recursos que produzem calma e paz ao Espírito no momento da sua desencarnação, facilitando igualmente a sua adaptação na realidade extrafísica:
[…] De fato, é racional conceber-se que, quanto mais o Espírito se tenha identificado com a matéria, tanto mais penoso lhe seja separar-se dela, ao passo que a atividade intelectual e moral e a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo; assim, quando chega a morte, o desprendimento é quase instantâneo. Tal o resultado dos estudos feitos em todos os indivíduos observados no momento da morte. […]. “
Outro ponto que merece destaque: no momento final do desligamento do Espírito do corpo físico, não há sofrimento, independentemente das condições que o conduziram à morte. A pessoa entra em estado momentâneo de inconsciência, como se fosse uma espécie de desmaio. Mas, nos instantes que antecedem o momento do desligamento final, denominado estado agônico ou estado de agonia, pode ocorrer algum grau de perturbação ─ palavra utilizada pelo Codificador. Estado esse variável, mais leve ou mais pesado, segundo as condições espirituais do desencarnante, como esclarece Allan Kardec: “Na passagem da vida corpórea para a espiritual produz-se ainda um outro fenômeno de importância capital — a perturbação. Nesse instante a alma experimenta um torpor que paralisa momentaneamente as suas faculdades, neutralizando, ao menos em parte, as sensações. […]. perturbação pode, pois, ser considerada o estado normal no instante da morte; sua duração é indeterminada, variando de algumas horas a alguns anos. […].”
Kardec complementa assim o seu pensamento:
O último suspiro quase nunca é doloroso, porque, ordinariamente, ocorre em momento de inconsciência, mas a alma sofre antes dele a desagregação da matéria, durante as convulsões da agonia e, depois, as angústias da perturbação. É bom destacar logo que esse estado não é geral, porquanto, como já dissemos, a intensidade e duração do sofrimento estão na razão direta da afinidade existente entre corpo e perispírito. Assim, quanto maior for essa afinidade, tanto mais penosos e prolongados serão os esforços da alma para desprender-se. Há pessoas nas quais a coesão é tão fraca que o desprendimento se opera por si mesmo, com a maior naturalidade. O Espírito se separa do corpo como um fruto maduro que se desprende do seu caule. É o caso das mortes calmas e de despertar pacífico.
Essas breves orientações têm o poder de muito auxiliar, pois fornecem úteis esclarecimentos a respeito da morte e do morrer, sobretudo no momento atual, em que, devido a pandemia pelo vírus Covid-19, um número significativo de pessoas estão retornando ao plano espiritual.