É atribuído a Beethoven o seguinte diálogo. Já idoso, surdo e misantropo, numa das múltiplas trocas de domicílio em Viena, o compositor enquanto compunha sinfonias e estando em meditações, perguntou ao novo amigo que transpôs a porta de entrada de sua casa:
- O senhor tem árvores em seu quintal?
- O senhor tem árvores em seu quintal?
Como o visitante respondeu que não tinha, ele retrucou em seguida:
- “Então não me serve, gosto mais de uma árvore do que de um homem”.
Não é preciso ser um gênio quanto o grande compositor alemão para pensar assim. Basta ser um pouco civilizado para descobrir numa árvore a companheira inseparável e saber quanto é importante a todos e jamais se aborrecer por ela estar sempre a crescer, tirando a visão do outro lado da rua ou soltando folhas secas no quintal. Lauro Xavier dizia que folha seca não é sujeira, mas adubo que fertilizar a terra.
Aqui, no recanto da cidade onde resido, ainda se conservam algumas árvores que fazem um bem enorme, e trazem recordações dos tempos “idos e vividos” em Serraria e Arara. São plantas que sombreiam quintais, ornamentam praças e dão sombra às calçadas. Com as árvores perto, as tardes são sempre amenas.
Houve um tempo, quando aqui cheguei em 1971, que pessoas cochilavam recostadas aos troncos de árvores, outros proseavam à sombra, contavam anedotas, relembravam sonhos e paixões de outrora. Crianças se divertiam quando chegava o período de frutas. Na Praça da Independência, em noites com estrelas, casais sentavam nos bancos para conversas agradáveis. Em dias de sol, como que em piquenique, adultos bebiam cerveja gelada em meio aos arvoredos, enquanto se desmanchavam em bate-papo sem fim, e seguidas de gargalhadas.
Não tinha tanta violência nem assaltos, e os malfeitores respeitavam os guardas noturnos.
Conservo no quintal de minha casa pequenas árvores, que dão frutos medicinais, sombra fina e umas florezinhas que os meninos juntavam aos montes. Ainda existe num recanto algumas arvorezinhas com flores perfumadas que fazem um bem enorme. São flores sem brilho, mas também que roseiras soltam perfumes ao entardecer, alegram muito com seu meneio no pôr do sol, com o vento lento em rodopio agitando as folhas. Quase sempre, em uma árvore ali perto, pardais quebram o silêncio da tarde. Isso lembra o sítio onde nasci.
Num terreno baldio próximo aonde resido, nasceu um pé de maracujá que sobe por um arame pregado na parede, com flores roxas. São pequenas e poucas, mas a rua olha.
As plantas e as flores sabem recompensar o esforço em mantê-las regadas, como nos ensinava Lauro Xavier.
Não é preciso ser gênio para admirar o verde, amar a natureza, manter árvores no quintal, nem muito menos saber que tudo isso é fundamental à vida do planeta. Como na versão do poeta em que o menino protestou ao golpe do machado bronco que derrubou a árvore, agora, mais do que nunca, é preciso que todos se unam para impedir as devastações de matas e rios que circulam nossa cidade.
Quando se corta uma árvore, duas em seu lugar devem ser plantadas. Sou de uma região onde não é preciso plantar mudas arbóreas, porque elas nascem, crescem e florescem naturalmente. Mesmo assim seus mananciais secaram porque destruíram a vegetação em seu entorno. Quando se broca a mata para o roçado, a amorosa, a sucupira, a malva rosa e o mastruz germinavam em todos os lugares.
Outro dia observei do portão de minha casa que o vizinho plantava uma árvore no seu quintal. Disse-me ter sido um presente, iria conservá-la, regar até a chuva aparecer. Uma planta que somente produz flores, conhecida como “buquê de noiva”. Foi aí que lembrei da frase do grande compositor e da sabedoria atribuída aos chineses de que o homem somente se realiza após plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro.
Haverei de ensinar isso aos meus netos.