O estuário dos rios Sanhauá e Paraíba está morrendo! No feriado do carnaval de 2001, naveguei a região que compreende áreas dos municípios de João Pessoa, Bayeux, Santa Rita, Lucena e Cabedelo. E voltei revoltado. O que, afinal, andam ou andaram fazendo os governadores e prefeitos dessas cidades? Sem qualquer preocupação com a ecologia, não é exagero dizer que, ao longo do tempo, eles vêm perpetrando o que se poderia chamar de crime de lesa-humanidade!
Poluição, desmatamento, assoreamento, especulação imobiliária, falta de controle do processo de ocupação do solo, inexistência de qualquer coisa que se pareça com educação ambiental das populações ali residentes, aumento do tráfego
A imagem da desolação começa a se estampar no “Lixão do Roger”, área já bastante degradada, mas que não pára de crescer –a fuligem que invade tudo à volta é apenas uma das matérias-primas daquela usina de gases tóxicos, inflamáveis. O produto final é uma asquerosa língua de chorume que se espreguiça sobre o mangue e o rio Sanhauá.
Mas não é só. O estrago é também visível a olho nu no Porto do Capim. Lá os invasores lançam o lixo doméstico e os esgotos diretamente no rio, assolado pelos mais diversos e surpreendentes tipos de atividades comerciais e industriais predatórias, praticadas sem qualquer espécie de controle. Curtumes, marmoarias, serralharias e madeireiras embolam-se na paisagem de bueiros e esgotos a céu aberto, com oficinas mecânicas, depósitos, bares — e templos religiosos — uma desgraça que nenhum deus parece ter o poder de evitar.
Bayeux dispensa comentários. A cidade é o mapa da ocupação desordenada, a arquitetura da deformação, que atinge o mangue mortalmente. Os ditos poderes públicos (federal, estadual e municipal) nada fazem para conter ou, pelo menos, minimizar o processo de falência ambiental. O território do município aumenta na mesma proporção em que se espraia a sumária execução do que restou dos rios e manguezais. A situação não é diferente em Santa Rita, Espírito Santo, Lucena, Cabedelo e na Capital.
A navegação com a maré baixa já é problemática. Até os que conhecem bem o local danificam as hélices e encalham os barcos. No desencalhe, o perigo à saúde é real: O navegante, forçado a descer para empurrar o barco, como um carro enguiçado na rua, pisa naquele material fétido, podre, lama que se parece piche. Absorvida pela pele, só é removível mediante lavagem demorada à base de escova, muito sabão, água sanitária ou qualquer outro detergente. Vivi essa experiência desagradável.
Um dos grandes patrocinadores da destruição que não respeita qualquer espécie de vida é a especulação imobiliária, desdobramento da grilagem que se instala nas “terras de ninguém” e, com a cumplicidade do usucapião, forma o carro-chefe do processo criminoso.
Como sempre, a natureza devolve a agressão ao ser humano. Sem mais condições de retirar o sustento dos rios, do mangue e do mar, como no passado, o pescador, (aquele que ainda não foi enxotado para a periferia das cidades) vive de manobra. Literalmente. Sem peixe para oferecer, disputa míseros trocados no humilhante trabalho de atracar os barcos e lanchas dos grã-finos, nos muitos “piers”, a maioria clandestinos.
A alternativa é a mendicância nos bares. O desequilíbrio ambiental agrava a miséria, aprofunda e torna talvez irreversível o desequilíbrio social. Depois desse cruzeiro de horrores, pude compreender ainda melhor o porquê de a violência ser cada vez maior nos municípios que circundam o estuário, notadamente em Bayeux e Santa Rita.
Alguma coisa precisa ser feita em defesa dos rios Sanhauá e Paraíba. E com urgência! É inadmissível que assistamos de braços cruzados à destruição de toda aquela beleza natural que Deus confiou à guarda dos paraibanos.
Nota do autor - Estas considerações foram feitas em texto datado de fevereiro de 2001. O assunto volta à tona com a pergunta: Afora a desativação (oficial) do “Lixão do Róger”, alguma coisa teria melhorado? Que tal uma vistoria para verificar o que melhorou no estuário do Rio Paraíba?