O território
Pés pousados no chão. Abro os olhos para a realidade e sinto meu corpo, instrumento de reorganização da vida e luta pela sobrevivência, maturada nas instabilidades. A costura da vida não precisa ter um arremate perfeito e a junção dos pontos é retrato da multiplicidade de experiências. Sou múltipla. Preciso caber em muitos lugares, sem sair de onde estou. Preciso caber no poema e na prosa, em vozes caladas e mapas por onde transito. Meu terreno é mapeado com códigos ocultos aos quais, por vezes, nem eu tenho acesso. Sou um mix de texturas a buscar espaço onde menos se espera e ali firmo território.
Embora o alicerce seja sólido, as fragilidades agregam-se nos comuns espaços do corpo. Sigo em frente. Aceito meu percurso. Tracei tons diferentes na caminhada para evitar a estagnação da rotina. Às vezes, ela cansa-se de si mesma. Eu, consciente disso, escolhi romper com o tempo marcado no relógio e reinventei-me. Assumi o tempo de maturação das ideias.
Os caminhos
Novos caminhos serão traçados e os passos mais flexíveis. Tocar o chão com cuidado agora é prioridade. Avançar com delicadeza e cautela. Só assim colocarei as multidões que há em mim no devido lugar, sem a presença do caos. Tenho necessidade de expandir ideias, guardadas na mente e no corpo. Para tanto, é preciso deixar de lado as paixões da carne e pensar no mais importante: a vida que pulsa em minha narrativa.
Forças
É um caminho particular. Traçado nem sempre em linha reta, segue a direção na qual pretende chegar. Pego carona nesse caminho de um jeito todo meu. Esqueço a gramática e me solto no espaço prático do papel em formato word e o corpo encontra o caminho da extensão. A escrita pede-me isolamento compulsório. Nada mal ficar sozinha para escrever. Ninguém precisa ver a escória sentimentalesca armazenada há tempos no peito e que resolve dar as caras nos pontos fracos do caminho. Se a oportunidade da solitude existe, o processo de escrita torna-se mais fluido. Assumo os riscos da solidão voluntária no ato da escrita. Espero tranquila o momento de dividir com o leitor o meu infinito.
Entre parênteses
Domingo. Resolvi arrumar minhas gavetas e encontrei a ordem caótica a que estou acostumada. Livros. Raio-X da coluna cervical. Envelopes de correspondências a mim endereçadas. Metade de uma nota de um cruzeiro com a assinatura de minha avó, Vincenza Tandello. Queria apenas arrumar as gavetas. Parei para pensar como aquela nota que estava ali, há tanto tempo, nunca havia me despertado interesse. Guardeia-a em uma pasta onde registro meu processo de escrita. A nota ficou ali por uns dias, até que resolvi escrever a respeito de memórias pessoais. Sabe-se que a memória de acontecimentos importantes é consolidada durante o sono, mas se com frequência ele me falta, a memória fica comprometida e torna-se meu objeto de reflexão.
Na nota de dinheiro, a sigla RC, referente à cidade onde moro, é antecedida de uma sequência de seis dígitos na letra de minha tia. Vi a letra de duas gerações ali juntas. É curioso. Talvez uma senha bancária que na memória não foi guardada. O ato metalinguístico de anotar uma senha de banco em uma nota de dinheiro me pareceu bem interessante. Busquei a resposta na distância entre meu quarto e o banheiro, onde minha tia escovava os dentes. Você lembra? A resposta foi negativa. Continuo sem saber o sentido daquela escrita. Tudo bem se continua sem sentido para mim também. (Quis apenas abrir um parênteses).
Potência
É a palavra latente a pedir movimento. Recém-saída do rascunho, encontrou espaços de autenticidade na linguagem solta. Amanhece. Notória distância em tons de azul convida-me a abrir as janelas. Incorporar um novo dia é permitir ao corpo a expansão da própria sinopse. Ganham forma o corpo criativo e o corpo da escrita. Ninguém no mundo tem a mesma escrita que a minha. Os processos de criação também não são os mesmos. Encontrei na escrita meu caminho. Há um tempo, convenci-me de que o texto é o meu território.
Sou meio inflexível comigo mesma, mas, ao colocar-me no papel, descubro novas possibilidades de adjetivação e um arcabouço de estrangeirismos consegue acesso à minha mente. Torno-me, então, exagerada, e incorporo substantivos novos ao meu perfil. Posso transbordar meu corpo, tirar rascunhos da delicadeza e tornar fluido o tecido da escrita, formada de erros e acertos. Expandir para ressignificar tem sido uma longa jornada no ato da criação literária. De um ponto a outro, há intervenção de muitas reticências.
O espaço para todos os meus pensamentos está garantido. Meu processo de criação passa por todas as ruas e avenidas, mas os desvios de rota são necessários. Levo minha escrita na bagagem. Não a deixo à espera. O ato criativo é parte de mim. É uma extensão.doc de meu corpo, apesar de necessária a separação. Com ares de liberdade, ganha o mundo, o infinito do outro. O outro acolhe-me e algo diferente acontece. A escrita expande-se e ganha significado nesta junção.