Quando somos crianças, as horas são preguiçosas. O tempo é imperceptível. Armamos nossos presentes com arcos e pedaços de invisíveis fazeres. Não temos a constante preocupação que embaraça os adultos, os maduros, que se vergam à cronometragem de afazeres. Nossos espaços são longos. Em quaisquer classes sociais, a infância é um brinquedo; a vida parece não correr e o sono noturno traz a tranquilidade deitada em sonhos.
Há ricos, abastados, medianos e pobres. No contexto atual, a predominância dos meios virtuais, atraem a telas o que antes era sensível ao tato. Por exemplo, o toque de bola, o trocar de roupa de bonecas, o puxar carrinhos com cordões, jogar amarelinha, academia, anel, dominó, víspora. Hoje, os jogos cibernéticos desmontam os brinquedos táteis.
Sobressai a geração do apartamento. Ruas desertas por medo de balas perdidas. Ou de alguém que enfeitice as crianças, prometendo-lhes caixas perigosas, onde se amontoam entorpecentes delírios. Outro tipo de diversão, jamais esperada pela criançada que tomava calçadas com outros tipos de viver a infância. Nunca mais vi as meninas pularem cordas, nem meninos encantados com velocípedes. E se há, é de uso restrito e observado pelos responsáveis. A época atual é cavernosa, no sentido de recolhimento: em casas e edifícios.
Vive-se uma meninice enclausurada. A criançada de agora é refém de um sistema de apetrechos de medo que a isola no cubículo de defesas. Os que se encurralam em comunidades sofrem o isolamento: há perigo de balas insípidas e ofensivas. Passeiam seus desencantos por estreitas ruelas, se arriscando, descalças, a doenças as mais diversas, e, se soltam pipas, não é de brincadeira, porém sinalizações, códigos para embates. Os pequenos de lugares mais imprevisíveis, habitantes de moradias erguidas em tijolos transversos, têm a mesma coloração interior da infância daquelas que são mais abastadas.
Mas há o divisionismo traçado pela régua nefasta do posicionamento social, pobreza ou pobreza extrema distancia, em larga escala, a meninada rica ou de classe média alta das que mordem a carência geral. Não há como se metrificar comparações. Todavia, mesmo com tais discrepâncias, a infância é um brinquedo. As nascidas em edifícios de luxo e as outras em choças, abrigam, por natureza, o espírito de sonhar. Nelas, sem distinção, mercê das extremas posições, explodem a inocência e a criatividade, a curiosidade sobre as coisas e derredores. Em comum, despertam para a sutileza da fase mais sorridente da vida.
É o que salva. Mesmo que o lobo rosne em ameaça, a alma infantil borbulha, de uma forma ou de outra; uns ocupados nas possibilidades do computador e outras criando meios de superar a condição restrita, descobrindo o tesouro guardado na caixa dos corações.