DE “DeuS E OUTROS QUARENTA PrOblEMAS”
Será mais irreal Remédios,
la Bella,
de Cem Anos de Solidão,
em ascensão,
num delicado viento de luz,
como Jesus,
do que Maria,
vestida de seda e veludo,
levada ao céu com... roupa e tudo?
É mais irreal a farra,
no Elísio,
que se vê pintada em tetos de palácios,
com Zeus,
ou a épica entre santos e anjos, no paraíso - em tetos de templos da mesma época- com Deus?
São mais irreais os Lares, Manes e Penates que havia em casas de todos os lugares, diante do fogo,
de Roma a Panfília,
ou as Virgens – pequenas, nos oratórios, com sua estranha beleza, ante uma vela acesa - como guardiãs da família?
É irreal a encomenda do corpo,
na Igreja,
ou o conforto da grega ao pôr
na boca do morto
a paga do barco em que ele deve seguir,
com Caronte,
pelo rio Aqueronte?
É irreal a eleição - depois de quatro séculos de pontífices italianos – de Kiril Lakota, ucraniano, cheio de humanidade, de “As Sandálias do Pescador”,
em 63,
ou a de Karol – não Kiril - Woytila, polonês, anos depois, que não muda a realidade, a maquila?
É irreal a existência de uma divindade, segundo Hamlet – algo um tanto fosco - que dá forma a nossos projetos, mesmo que toscos,
ou o desembaraço do Yo no busco, encuentro,
de Picasso?
É real o Fiat Lux ou o Big Bang,
ou é... tudo lenda caincangue,
com sofisticados truques?
É irreal o dragão inglês, que São Jorge mata no cartaz nazista;
o dragão nazista,
que ele mata no cartaz inglês,
ou... irreal, mesmo, então,
será só o dragão?
Neruda nos banqueteia, elevando a poesia a seus cimos, quando fala da Ceia em que a vida fez da santidade útil de su mamadre - a da água e a da farinha - o pão,
que allí consumimos,
o que não é menos...
real
que o vento,
horizontal,
a mover as pás do moinho, devagarinho,
na vertical,
o eixo,
horizontal,
a por a grande engrenagem,
vertical,
a girar a roda,
horizontal,
cujo cilindro,
vertical,
move a mó,
horizontal,
e o grand guignol – inteiro – trabalha, e arrebenta, tritura, esmigalha, de castigo, o crânio de la mamadre,
como se fosse
trigo.
Veja a porta norte da Notre Dame,
em Paris:
tem, como ponto forte,
na pedra gris,
(coisa de maníaco)
a irreal Madona no zodíaco - menino e tudo - como o signo de Virgem,
sua origem,
porque a constelação (que preside setembro),
em 24 pra 25 de dezembro domina, no Oriente, seus horizontes,
de modo que a luz do mundo, quando nasce, entre os montes,
parece – e a imagem é bela - estar sendo dado à luz
por ela.
Segundo se disse nos templos, tempos atrás (até pras crianças de colo), Aurora, de dedos de rosa, divina, era quem – matutina – ia ao céu, à frente de Apolo.
E.... well:
se ia ou não ia, a coisa fluía.
Mas... o dramaturgo americano Schneider,
em Londres,
onde chega e monta Beckett,
ao ver a folga no trânsito, à esquerda, desce da calçada
e,
absurda ou não, mas... sensata, como em beckettiano sketch,
uma moto o mata.