Eu revi, no Canal Curta, retransmitido pela NET, “O Engenho de Zé Lins”, filme rodado em Pilar e em partes diversas do País onde Vladimir Carvalho foi buscar depoimentos acerca da vida e da morte daquele que melhor expôs a saga do Nordeste açucareiro. Nele, os dramas atinentes ao advento das usinas e à consequente falência política e econômica dos antigos donos de banguês.
O mais completo dos documentaristas brasileiros nada esqueceu. Nem o abandono aos engenhos da Várzea do Paraíba (com enfoque, sobretudo, no Tapuá) nem as tragédias pessoais do romancista morto aos 57 anos de idade por uma cirrose hepática infame e degradante.
Impressionei-me, mais uma vez, com o relato de Thiago de Melo (de quem todos lamentamos a morte recente), o mais próximo e fiel dos amigos e aquele a quem um Zé Lins moribundo deveu, até o último fôlego, cuidados que iam da leitura diária dos jornais à limpeza da bunda.
Comovente a passagem na qual Thiago narra como tentava esconder do amigo o sangramento intestinal denunciado na vermelhidão das fezes. Zé Lins queria saber se havia sangue e Thiago mentia: “Está tudo normal”.
O mais ocultado dos episódios que marcaram, profundamente, a existência de Zé Lins – o tiro acidental com que ele tirou a vida de um amigo de infância – aparece no filme por inteiro. Elizabeth, uma das filhas, lastima que o assunto tenha ido a público em entrevista de um jornalista de São Paulo com a prima Maria Emília, esta última, já na ocasião, com 96 anos de idade.
Ouvido no documentário de Vladimir Carvalho, o paraibano Ariano Suassuna – informado, somente ali, desse fato que a família procurava esconder de Deus e do mundo – via nisso razão suficiente para explicar os picos do humor de Zé Lins, alguém que, repentinamente, ia da alegria à depressão. Ainda neste filme, é de Ariano a voz mais incisiva contra o desprezo aos velhos engenhos de açúcar, quase todos, já então, em processo de ruína.
Comovi-me, também, com a aparição de Sávio Rolim, o ator que aos 12 anos encarnou o “Menino de Engenho”, no filme homônimo dirigido por Walter Lima Jr. com elenco de proa. Envelhecido e debilitado, física e mentalmente, Sávio é levado por Vladimir até o Engenho Tapuá, onde o filme foi rodado em meados dos anos de 1960.
Tornei-me próximo de Sávio Rolim durante o Governo de Ivan Bichara. Por essa época, José Souto presidia “A União” e me pedia para experimentar o amigo na equipe de reportagem do jornal por mim então chefiada. Sávio, porém, logo abandonaria o emprego, sem qualquer explicação.
Em 2005, fui procurado por um Vladimir Carvalho interessado em informações sobre o Engenho Corredor, berço de Zé Lins. O encontro, intermediado por Gonzaga Rodrigues, deu-se no restaurante do Hotel Royal Palace, em Tambaú. Falei do que sabia e sugeri providências e caminhos que o levariam – e à sua equipe – ao interior da Casa Grande, na época, entregue às baratas, mas, hoje, felizmente, restaurada a capricho porquanto entregue ao zelo dos atuais proprietários.
O documentário de Vladimir termina, exatamente, com a visão do Corredor, naquele momento, semidestruído: janelas despencando, paredes perdendo reboco, telhado apodrecendo e tomado por morcegos.
Como já observado, Vladimir nada esqueceu. A paixão de Zé Lins pelo Flamengo, o discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (no qual desancou o antecessor Ataulfo de Paiva) e a amizade com Gilberto Freyre compõem bons momentos do documentário. Um deles é, também, o registro fotográfico do banho do romancista nascido em Pilar com o mesmo Gilberto, com Odilon Ribeiro Coutinho e outros amigos, todos nus em pelo, num açude da usina São João.