Quando o dente rasga a pele da fruta e penetra a macia carne, seja do jambo e sua roxidez sensual, do caju com o suculento desejo na pele amarela ou vermelha, o roseado íntimo da goiaba, a mente se transporta. É a mordida no corpo amado, o alimentar-se do outro ser, sugar e transferir energia, conexão. Os olhos fecham-se e transportam à boca o sentido de mais sentir.
Os dedos passeiam em reconhecido pelo relevo do outro. Fazem curvas, identificam pontos sensíveis, redescobrem caminhos já percorridos antes de levá-la à boca. E falam palavras inescutáveis aos ouvidos, entendidas a cada pequeno toque. As respostas surgem em forma de arrepios, mínimas contrações, a cada fechar de olho.
Olhos que conseguem enxergar além do pequeno corpo vestido. Casca visualmente atraente que servirá também para matar a fome, que será engolida com suavidade, pois faz parte do jogo de conquista. Rompê-la é desnudar o alimento, passo importante do ritual. Ao penetrá-la é seguir a dança, é espalhar imagens, aguçar o corpo inteiro, jogar no ar a essência do fruto ser.
É perfumar de desejo o ambiente. O olfato delicia a mente com o cheiro da pele da fruta amada. E dá para sentir até que gosto tem apenas pela fragância. Inspirar a natureza, o ambiente, o corpo alimento ali presente, engolir-se pelo passado já provado daquele sabor.
Da boca no fruto saem os melhores silêncios, os mais doces e travosos sabores, suspiros pelo deliciamento. Alimento múltiplo a cada encontrar-se. Dentes, línguas, céus a abocanhar constelações de estrelas do outro. A mordida é ato de amor. Arranhar de carinho o lábio arredio da falta intermínavel em uma única palavra: desejo.