E então uma tristeza nos acomete. Sem saber de onde ela vem e qual o seu porquê. Um vazio nos preenche de tal forma, como se nenhuma poesia pudesse corromper esse hóspede indesejável. O que nos falta? Para cada qual, uma resposta. Como diria Caetano: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Que ninguém nos diga que somos jovens demais para sofrer, para que os lutos nos esmoreçam.
O hospedeiro chamado “luto” não escolhe a hora de comparecer. Vem sem hora marcada e não tem prazo para ir embora. Essa é uma oportunidade de nos autenticarmos, porque é fácil forjar um sorriso, mas não faz sentido forçar uma ausência. Viver é uma aventura, é uma involuntária disposição para a novidade. É isso que nos encanta e nos assombra.
Quanto mais nos encasulamos numa falsa força, mais propensos às quedas bruscas estaremos. Estou aprendendo isto – o direito de ser frágil. É como se eu tivesse que vestir minha pele ao contrário. Tento fazer o exercício de ver o outro a partir dele, por isso parto, reparto e aborto em mim uma parcela do meu egoísmo.
Que o luto seja parte de uma metamorfose, como uma lagarta que se encasula para ficar mais bela e ter asas para voar. Sei que posso ir para além de onde estou, mas as contrações da vida são tantas que o medo, por vezes, me pede estação. Em mim as estações não estacionam; vivem em transe, traçando poesia.
Feridas vão sempre se abrir e a nossa perseverança diária as cicatrizará. Quando as sombras caírem sobre o nosso ego estas nos lembrarão que há luzes até mesmo nas lágrimas. Só desejamos um lugar no qual possamos permanecer, mas nossa transição constante não nos estabiliza no amor. Novamente estaremos nos sentindo livres, depois de um sentimento de perda ter despetalado nossa rosa dos ventos interior.
Tão cheios de soberba, de falsa segurança, é necessário que, de quando em quando, um vazio nos recorde o quanto somos incompletos, daí compreenderemos que amar é o exercício de preencher ausências.
Caminhamos entre lutos e lutas diárias, pelas culpas e recompensas. Por mais que tentemos negar, somatizamos a angústia da insegurança, das ansiedades, porque somos construtores e destruidores daquilo que nos caracteriza como seres humanos. É uma força e uma fraqueza: o amor – que se confunde com egoísmo, que destece a teia dos “regulamentos vários”, como diria o poeta Drummond.
E como se regular diante de tanto desequilíbrio? Talvez respeitando os próprios limites, os da tristeza e os da alegria. Difícil é reconhecer que perdemos num mundo em que só são admitidas as vitórias. Mas só se vai à luta quem passou pelo luto. Só a insatisfação nos moverá. As alegrias são apenas um cômodo, queremos uma casa.