Sinto a cidade do meu jeito. Gosto do paradoxo que mora nas ruas vazias, cheias de histórias para contar. Ruas feitas por gente e cheias ...

As paredes têm memórias

Sinto a cidade do meu jeito. Gosto do paradoxo que mora nas ruas vazias, cheias de histórias para contar. Ruas feitas por gente e cheias de ausência me apetecem. Meu olfato suga as histórias que ali ecoam. Memórias guardadas nas paredes, folhas, chão. Consigo ouvi-las quando transbordam na falta de transeuntes. Penso que em mim confiam e como nem tudo são flores (às vezes são folhas), as memórias entregam-me as pedras que encontram no caminho.

Yiqun Tang
Nas paredes estão gravados nomes e sobrenomes prepotentes e vidas sem sobrenome. Nas folhas, impressas as nervuras à flor da pele de quem não se contenta. No chão, o resumo dos passos duradouros de um gênio do cão enfraquecido pela mordida do espinho de uma rosa a invadir-lhe o dedo. Agora entendo porque as paredes, as folhas e o chão se expressam. Precisam transbordar os próprios sentidos, mas sozinhas não dão conta.

Fico à disposição caso precisem me contar do sonho desfeito entre quatro paredes, da folha seca oculta em diário, do chão onde termina o resto de fome. Se quiserem me falar dos dormitórios a céu aberto devido à ausência de paredes, dos sapatos pendurados nos fios de energia elétrica por não suportarem o chão e da folha carregada de metalinguagem, aqui estou. Apesar de sentir a cidade do meu jeito, são as memórias que desenham os fatos. Sou apenas percurso.


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