Não faz muito tempo que conheço Américo — talvez uns dez anos. Casualmente, ele às vezes aparecia numa roda de amigos com quem costumava me encontrar na orla. Encontros extintos pelo advento da pandemia.
Modesto, mas sempre bem arrumadinho, roupa engomada, camisa ensacada, cinto apertado, sapatos lustrosos, nunca sem meias, cabelo bem penteado, voz baixa, discreto, educado, um jeito burocrático de funcionário público.
Pela aparência não adivinharia, porém, não demorei a notar qual era o assunto preferido de Américo: o espaço sideral e seus mistérios. Assunto não apenas preferido, mas praticamente o único.
Em tudo Américo via a intromissão de seres de outros planetas. Por isso talvez permanecesse a maior parte do tempo calado na nossa roda. Se o assunto da turma fosse, digamos, os filmes que amamos, ou o último gol do flamengo, ou a desarrumação do governo vigente, acho que ele se sentia meio alienígena. Permanecia em silêncio, ouvia tudo, e aguardava pacientemente o surgimento de um tema mais sideral.
Embora ele nem gostasse de cinema, conversando com Américo, sempre tive a sensação de estar assistindo a um filme de ficção científica, de Kubrick pra cima. Sim, seus relatos eram maravilhosos. Queria nos fazer crer que os planetas têm moradores, Marte, Júpiter, Urano... e até na Lua conseguia instalar residentes. E tem mais: segundo ele, algumas daquelas pessoas que passavam por aquela calçada onde estávamos a conversar, não eram criaturas comuns: eram seres interplanetários disfarçados, geralmente com alguma missão secreta que nunca desvendaríamos.
E, ao contrário do que se poderia esperar, Américo se expressava com uma calma, uma leveza de espírito, uma beatitude que nos deixava com uma pena danada de não acreditar no que ele pregava. Em respeito àquela beatitude, nós o ouvíamos com paciência, calados, sem nunca contradizê-lo.
Vejam bem: se a pessoa que nos falasse essas coisas extraordinárias, fosse, digamos, um tipo meio marginal, desmantelado, com cara de viciado em todo tipo de drogas, seria fácil fazer gozações dessas “viagens”. Numa figura tão arrumadinha, e mais que isso, tão pura, tão angélica, como Américo, não cabia.
Pois bem, um certo dia em que estava por acaso a sós com ele, comecei a vislumbrar o que poderia ser uma pista para o comportamento de Américo, digo, o seu lado mais íntimo, mais inconsciente, mais misterioso.
Foi quando, curioso sobre a sua vida privada, perguntei pelos filhos dele. Claro, me interessava saber se os filhos embarcavam, ou não, nas viagens de Américo. Interessava saber se, no seio do lar, ele encontrava divergências ou endossos.
E fiquei conhecendo a seguinte história, que me deixou com pulga atrás da orelha. Ele e a esposa não tinham filhos. A esposa sempre tivera dificuldade para engravidar, e, a única vez em que conseguiram, foi uma gravidez difícil que a pôs em risco de morte. E vejam só que cúmulo de azar: logo depois que a mulher descansou, a criança desapareceu. Sim, isso mesmo. O recém-nascido desapareceu da maternidade. Segundo Américo, não havia nenhuma dúvida: fora abduzido. E, até a presente data – uns vinte anos depois – nunca devolvido.
Pois bem, desde a conversa da abdução do filho recém-nascido, passei a ver Américo por um ângulo diferente do que via antes. Não sei se vocês estão pensando o mesmo que eu, mas desde então, um passarinho ficou me dizendo, o tempo todo, que o acontecimento na maternidade onde a esposa descansou teria sido um pouco diferente. Pareceu-me que aquela criança, conseguida com tanta luta e ansiedade, nascera morta, ou morrera logo em seguida ao parto... E a teoria da abdução teria sido trazida à tona para compensar uma dor insuportável. Quem a trouxe? A própria esposa? Américo? Os dois, em desesperado delírio compartilhado? Nunca vamos saber...
Dizendo, portanto, de outro modo: Américo não apenas acreditava nos alienígenas de que falava. Precisava deles.
Se estou certo ou não, não sei, e nunca vou saber, até porque, dois ou três anos atrás, o casal mudou-se para Palmas, Tocantins, em caráter definitivo. E mesmo que aqui estivessem, com certeza não forneceriam resposta à minha indagação.
Só sei dizer que, depois daquele dia em que soube da alegada abdução, passei a ver Américo com um pouco mais de compreensão, como também de afeto. Se puder dizer, de cumplicidade.
Numa de suas últimas aparições no nosso grupo, lembro que Américo me fez mais uma de suas extraordinárias confidências científicas: bem no meu pé de ouvido, confidenciou-me ele (juro!) que havia um monte de gente morando no Sol.
E eu nem me incomodei de fazer de conta que acreditava.